"O passado é renitente, teima em se fazer presente.
Quando menos esperamos nos deparamos com ele,
o passado presente!"
Quem não carrega em si as lembranças do tempo que passou? Quem não se debate diante de recordações que insistem em se fazer presente e não cedem ao desejo do esquecimento? Quem não passou pela experiência de rememorar algo que parecia plenamente esquecido? Um detalhe, um nome, uma música, uma fotografia, um objeto, um lugar, etc., e o que parecia morto e enterrado no passado ressuscita como uma doce lembrança ou um fantasma que assombra o presente. Sim, há as recordações desejadas, nutridas e que acalentam a alma e ensejam a saudade! Mas há também aquelas que preferíamos não lembrar, pois renova a dor, o sofrer e traumas que parecem insuperáveis. O tempo psíquico não é cronológico, nele o passado e o presente confundem-se. Uma sensação vinculada a um evento no passado longínquo pode se revelar tão intensa na memória que é capaz de anular o passar do tempo.
Quer nos cause tristeza, saudade ou felicidade, a capacidade humana de registrar sentimentos, fatos, e guardar em si como um tesouro ou uma Caixa de Pandora que preferimos manter bem fechada nas profundezas da mente, nos vincula ao passado. É impossível libertar-nos completamente do passado. Então, talvez seja melhor aprendermos a conviver com ele. Até porque o passado não constitui apenas negatividade, mas também contém aspectos positivos que contribuem com a vida no presente. Mesmo quando se apresenta em cores tristes e faz ressurgir a dor e o sofrimento que nos atormenta a alma, ele nos ensina algo! Aprendamos!
Não há o novo, o presente absolutamente novo! Quando crianças, herdamos as tradições e o mundo dos adultos. Nem bem compreendemos a vida e já nos vemos sob a influência do passado, o peso da tradição oprime a nossa mente e configura valores, crenças, formas de sentir e compartilhar a vida, que nos marca indelevelmente. Mesmo quando rompemos com esta influência e negamos os valores, crenças, etc., que nos imputaram, a ruptura não é plena. O novo carrega em si, numa tensão dialética, traços da negação. O novo é superação, mas também incorporação.
Este raciocínio filosófico também pode ser aplicado a outros aspectos da vida. Na complexidade do viver, nos relacionamos com outros seres humanos e são essas relações que conferem a nossa identidade. O eu é definido na relação com outro eu! Somos a síntese de múltiplas relações complexas. Quem ainda não se perguntou: “O que fiz de mim?!” É uma pergunta razoável, pois, fundamentalmente, somos delineados pelas decisões que tomamos. Contudo, não vivemos sós no mundo. Assim, também é admissível a pergunta: “O que fizeram de mim?” As decisões de outros também conformam o que somos. Pais e mães, por exemplo, decidem sobre os filhos e, assim, tem influenciam o futuro deles. A decisão da minha mãe de deixar o nordeste e migrar para São Paulo, Capital, mudou o rumo da minha vida. Da mesma forma, a nossa decisão de mudar para o Paraná transformou completamente as possibilidades da vida futura das minhas filhas. Talvez o meu genro deva agradecer, não fosse isto, muito dificilmente teria conhecido a minha filha. Como teria sido se permanecêssemos em São Paulo? Claro, esta decisão também influenciou decisivamente na vida das irmãs dela e também as nossas! O passado define o presente! O que somos é o resultado do que fizeram de e por nós e do que fazemos por nós e pelos outros.
Muitas vezes, com a alma oprimida por sentimentos e lembranças que nos entristecem e lançam-nos na nostalgia dos momentos felizes que a vida nos ofertou, almejamos apagar a memória e imaginamo-nos capazes de deletar o passado. Pode ser alento, mas revela-se uma triste ilusão. O passado é renitente, teima em se fazer presente. Quando menos esperamos nos deparamos com ele, o passado presente!
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* Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí: Editora Unijuí, 2008).
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2013/07/27/o-passado-presente/
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