segunda-feira, 29 de julho de 2013

"A taketina e seu ritmo transformador "


Ilustração: Mariana Coan

 

Num círculo de pessoas ao som do surdo e do berimbau é possível esquecer os problemas e trazer mais harmonia e alegria para a sua vida.

POR << Liane Alves  >>

 

 
 
 
 

O coração bate. Bum-bum, bum-bum, bum-bum. Sístole, diástole, sístole, diástole, e o sangue circula para cima, para baixo, para cima, para baixo. O Universo se movimenta: expansão, contração, expansão, contração. A respiração pulsa: inspirar, dentro, expirar, fora, inspirar, dentro, expirar, fora. Cante agora o ritmo dessa palavra de acordo com essas referências: TAkeTIna, TAkeTIna, TAkeTIna. Acompanhe com os pés, marcando com mais força a primeira sílaba: TAketina, TAketina, TAketina. Depois, bata palmas numa cadência sua­ve. Por fim, entre nesse fluxo com todo o seu ser, TaKeTiNa, TaKeTiNa...

É assim que vou encontrando meu ritmo e lugar nessa roda de 40 pessoas, num estúdio de dança, em São Paulo. No centro estão o músico e escritor Gustavo Gitti, que vocês conhecem das páginas da Vida Simples, e o alemão Henning von Vangerow, o facilitador de TaKeTiNa que veio dar o workshop por aqui. Gitti bate o surdo. Na verdade, ele deixa cair a baqueta de uma forma relaxada, justa.

Minha atenção volta outra vez para o ritmo e as palavras de Henning ao tocar o berimbau. Ele anda pelo círculo olhando dentro dos olhos de cada pessoa e dizendo frases que fazem retornar a consciência exclusivamente para o presente. "Prestem atenção nas palmas, não precisa bater com força, batam com suavidade, com a força justa, isso, isso..."

Henning se sente à vontade no grupo, é a terceira vez que ele vem para o nosso país, e sua facilidade com o ritmo e flexibilidade com o corpo nos fazem esquecer que ele é alemão. Seu sorriso mostra como se encontra feliz de estar por aqui.

Eu e a tribo

Henning nos convida a pegar o caxixi, instrumento indígena feito de palha com sementes dentro. Progressivamente, os 40 integrantes da roda viram uma só família, unida pelo som da percussão do surdo e caxixi, além das cordas do berimbau. Se no começo o pensamento dispara num falatório descontrolado, aos poucos se instala um silêncio interior, como acontece na meditação.

O estranhamento com a palavra TaKeTiNa, e outras usadas para manter e marcar o ritmo, também fica para trás. Esses mantras foram recolhidos pelo músico alemão Reinhardt Flatischer em suas pesquisas sobre percussão em vários lugares do mundo: Brasil, Japão, Coreia, Índia, Tailândia, alguns países da África... Foi Flatischer que idealizou a TaKeTiNa há 40 anos, com base nesses estudos musicais, princípios de neurociência e elementos da teoria do caos. Ele também descobriu que o ritmo por meio da percussão tem uma grande capacidade curativa, em vários níveis (físico, mental, espiritual), recurso que é amplamente empregado nas culturas tribais. É ele que ainda hoje dá o curso de formação de TaKeTiNa. Tanto Henning quanto Gustavo Gitti cumpriram os três anos do curso.

Duas condições especiais me dificultavam prestar atenção de forma mais continuada: havia passado 11 horas do dia anterior num avião, voltando da França, e estava com aquela sensação estranha de que o corpo tinha chegado, mas a alma tinha ficado para trás. A segunda condição que me impedia de acompanhar o grupo foi o fato de eu ter chegado atrasada e ter perdido as explicações iniciais de Henning quanto aos passos e movimentos que deveriam ser feitos. Peguei o bonde andando.

Rapidamente, essa incapacidade de me sincronizar se mostrou inconveniente. Uma das instruções que não ouvi era dar as mãos na roda e deixar o braço esquerdo relaxado, para que o vizinho do lado esquerdo comandasse os movimentos, e o braço direito ativo, conduzindo o braço esquerdo da pessoa ao lado. Fiz exatamente o contrário, e uma das moças, que me dava a mão, me repreendeu com um "não é assim!" irritado. Socorro. Fiz algo errado e não sei qual é o certo. É o pior dos mundos para mim, que sempre desejo estar em sintonia, no fluxo, na harmonia. Já para ela, as instruções haviam sido claras, e ela não devia ter muita paciência com quem não cumpria diretrizes. Isto é, insegurança de minha parte, rigidez do lado dela. Foi com um sorriso que Henning me explicou depois o que aconteceu: "As pessoas trazem suas histórias de vida. E isso é rapidamente revelado em suas atitudes dentro do grupo". Em outras palavras, TaKeTiNa provoca uma percepção aguçada de si e dos outros, de uma forma bem palpável e direta. Pode mostrar o que escondemos de nós mesmos tanto quanto um divã de psicanalista, embora não seja essa exatamente sua intenção, que é apenas de nos reconectar ao ritmo da vida. Isto é, ela tem uma função terapêutica, sem ser exatamente uma terapia. É um trabalho que pode fazer surgir insights. "Com a TaKeTiNa, desisti de querer bancar o espertinho", reconhece Gitti, que é dono de uma inteligência prodigiosa. Ele afirma que esse método tem a possibilidade de desmontar truques e aparências com muita facilidade.
Ampliação de consciência

A atenção focada ora nos passos, ora nas mãos, ora no momento certo de chacoalhar o caxixi traz um estranho efeito: a consciência começa a se ampliar. Você ouve o som de quem canta, o surdo, o celular que alguém se esqueceu de desligar, seus pés batendo no chão, tudo ao mesmo tempo. Nasce uma consciência abarcante, que não é mais uma atenção que migra para cada ponto da sala a cada vez. Nesse momento, é possível entrar em fluxo. Não se está mais atento apenas ao passo que tem de ser feito. É como se houvesse uma atenção maior, que tudo inclui. Por alguns segundos ou minutos se experimenta estar em perfeita sintonia com todos que estão ali. É maravilhoso. E, quando alguém se cansa, pode deitar no meio da roda.
No círculo final de depoimentos, um deles me chama a atenção. É de um rapaz que disse que finalmente percebeu com aquela experiência que um erro é apenas... um erro. E que errar não precisa causar culpa, vergonha, irritação ou autocondenação. O que ele diz soa como uma música celestial para os ouvidos de uma virginiana perfeccionista como eu. O fato de errarmos tanto, mas tanto, com nossa falta de ritmo nos tornou mais tolerantes com nossos próprios enganos - e os dos outros também. Observo que a moça antes impaciente com minha incapacidade crônica de acertar os movimentos agora sorri para mim. Afinal, um erro é apenas um erro.

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