domingo, 28 de julho de 2013

"A livrerie Hillé Puonto "

A livreira Hillé Puonto tem um blog sobre o dia a dia em uma livraria. Os textos, pincelados de bom humor e ironia, traduzem um pouco da nossa cultura. Ela conta, aqui, algumas de suas histórias


POR Hillé Puonto*

 


Ilustração Thales Molina
Pelo menos uma vez por semana escuto alguém dizer que gostaria de morar no meu local de trabalho. É compreensível (só que não), afinal, o cenário chega a ser cinematográfico: lugar amplo, com poltronas confortáveis, estantes entupidas de livros, funcionários lindos, superplugados e com a higiene bucal em dia. O que a maioria das pessoas esquece é que a freguesia alucinada (ou a clientela, como preferirem) faz parte da rotina e é praticamente impossível deixá-la de fora da brincadeira. E, se você costuma visitar livrarias com certa frequência, já deve ter escutado alguma conversa surreal: gente que quer indicação de um "lançamento novo", ou que está à procura de um livro de que não sabe o título e tampouco o autor. Também é comum encontrar alguém roncando com uma revista no rosto, ou aquele casal que resolve deixar os filhos no setor infantil para poder dar um rolê e ver o mundo girar. Sim, trabalhar em livrarias é uma delícia, mas, tal como a rapadura, não é nada mole. Na tentativa de melhorar a qualidade de vida do livreiro e nossa relação com a freguesia, preparei uma lista com os dez comportamentos que deveriam ser evitados pela clientela. Porém, a gente sabe que tudo na vida é melhor quando é ilegal, imoral ou irrita livreiros. 1 - Fazer perguntas desnecessárias
"Oi, você trabalha aqui?" Tudo bem, às vezes não dá pra ver o crachá laranja no pescoço do funcionário. Sim, também pode ser só uma forma de se iniciar uma conversa, mas vocês concordam que é um jeito muito errado? Gente, por que alguém estaria às 10 da manhã de um domingo arrumando estante de livraria? Reza a lenda que um livreiro, certa vez, já cansado de ouvir sempre a mesma pergunta, respondeu: "Não, minha senhora, eu não trabalho aqui. Eu faço parte de uma ONG que carrega livros". Sem contar os inúmeros casos de fregueses que entram na livraria para perguntar se os livros estão à venda. Alô? Poderia ser outra lenda, mas em uma das ocasiões eu realmente respondi: "Vendemos estantes, senhora. os livros são de isopor".
2 - Não conhecer a pessoa para quem quer dar um livro Rapidinho, se você não tem o hábito de ler e não conhece o presenteado (não sabe se a pessoa gosta de ler ou não), sério, chega aqui no meu ouvido direito e me responda: por que raios você decide comprar livros para dar de presente? Sim, o incentivo é válido, é lindo, é amor, mas o assunto começa a ficar complicado quando a freguesia pede sugestão e: "É para uma senhora de 89 anos". "E ela gosta de ler o quê?" "Não sei." "Você sabe qual foi o último livro que ela leu?" "Também não." "Você conhece a pessoa?" "então, na verdade, ela é sogra de um amigo do primo do meu marido e nós nunca nos encontramos pessoalmente. Sei lá, moça, me indica um presente genérico?" Indico: meias.

3 - Deixar de anotar o título do livro que pretende comprar
"Eu queria um livro." "Qual é o título?" "Não lembro." "E o autor, você sabe?" "Também não." "E sobre o que se trata?" "Não sei." "Você sabe alguma coisa do livro?" "Claro! A capa dele é azul." Ô gente, entendam, por mais experiência e conhecimento que o livreiro possa ter, ele não vai conseguir localizar aquele livro que você quer só pela cor ou estilo da capa. Sim, faz parte do nosso trabalho ajudar a freguesia, porém, a arte de ler mentes perigosas ainda não é totalmente dominada pela maioria de nós, acreditem.

4 - Causar na livraria só porque é escritor
Se você é escritor e não tem seu livro comercializado em determinada livraria, infelizmente, não é o livreiro que vai resolver seu problema. Portanto, guarde para as editoras sua bronca, sua dor de escritor subestimado, pois estamos na livraria somente para fornecer... amor. E, se você é escritor e tem seu livro vendido, não é de bom tom tirá-los da estante e colocá-los em lugar de destaque. Outra coisa: também enfraquece a amizade escritor que fica atrás de livreiro contando a história do seu livro para tentar impulsionar as vendas. Sério, gente da escrita, menos.

5 - Guardar livros em lugares aleatórios
Freguês que tira livros da estante não é nosso maior problema. A gente até gosta de ver a freguesia se atirando nos livros, achamos uma cena bonita de se ver. Problema mesmo, aquele que nos dá enxaqueca e nos faz querer ir para o ambulatório, é gente que pega um livro de culinária e coloca na seção de saúde. E por que alguém faria isso? Falta de amor? Talvez. "Talvez" porque a gente sabe que, algumas vezes, a freguesia está tentando ajudar (eu prefiro acreditar nisso antes de perder totalmente a fé na humanidade).

6 - Pedir informações para o livreiro que está ao telefone
Se não há limites para o delírio, não é uma conversa telefônica que vai impedir aquele freguês indelicado de abordar um atendente. Para algumas pessoas, livreiro no telefone é livreiro desocupado. "É só uma perguntinha, moço." Não, nunca é. e se o livreiro pede alguns minutos, enquanto finaliza o atendimento, o freguês geralmente faz cara feia, bufa, bate no terminal. Questão de lógica: se a pessoa está ao telefone, ela não vai conseguir dar atenção ou pegar o livro na estante. Então, vamos esperar o livreiro amigo desocupar.

7 - Entrar na livraria no fim do expediente
Chegou o comportamento que faz a serotonina do meu corpo baixar. O que faz alguém entrar em uma livraria faltando cinco minutos para o fim do expediente? Resposta: falta de peixes para alimentar. Sério. E quando o freguês chega com uma lista querida, com uns 30 livros?

8 - Deixar os filhos no setor infanto-juvenil
É simples: o setor infantil da livraria não é área de recreação e livreiro não é baby-sitter. E digo mais: como é que um pai consegue deixar seu filho com um livreiro e sair para curtir a vida adoidado? Sim, porque é visível que as empresas de RH das livrarias têm uma leve queda por gente desequilibrada. Ilustro com um causo: certa vez, um grupo de livreiros cogitou criar um código de barras para colar em uma das crianças que havia sido deixada ali. A ideia só não foi adiante porque ela era mais esperta e foi ver uns livros de xadrez.

9 - Deixar para comprar o livro na última hora
Freguês que deixa tudo para a última hora é caso recorrente: vestibulandos que querem os livros obrigatórios faltando duas semanas para a prova; pais que não compram os livros do semestre da garotada. Não seria um problema se o freguês, esse docinho de amendoim, entendesse que nós, livreiros, nada temos a ver com sua falta de organização. Não é porque a livraria é grande que irá ter todos os livros que já foram publicados mundo afora. Sendo assim, não tem o livro que você precisa?
Respire fundo, paciência e sorriso no rosto.

10 - Transformar a livraria na casa da mãe joana
É claro que é bacana ver a freguesia livre, leve e solta, mas tudo tem limite. Tirar os sapatos e circular sem eles pela livraria não é algo muito legal, entre outras coisas, como: largar lixo em qualquer canto, comer e beber em cima dos livros, remover as embalagens sem avisar ninguém, usar o computador dos terminais para ver site de namoro, pedir para o livreiro verificar a programação do cinema, enfim, essas coisinhas. Queremos que vocês se sintam em casa, nos amem, sejam amados, mas tudo de forma leve e lúcida, por favor.

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