domingo, 14 de julho de 2013

" Mercadores e espiões "

mercado está no
outro lado da rua,
mas quantas vezes
o prefeito esteve lá,
fora da campanha
eleitoral?
FLÁVIO TAVARES*
 
 
A desídia ou desleixo da Fifa e dos organizadores da Copa do Mundo com nosso Mercado Público só é comparável à negligência da própria Fifa com a espionagem dos Estados Unidos no Brasil. Há anos, na área pública ou privada, tudo gira em torno dos dias em que a vida estará no futebol dos estádios. O resto não conta e, desde já, a Fifa organiza e comanda o cotidiano. Vejam o incêndio do Mercado:
Já pensaram se a Fifa (que determina as grandes obras) mandasse o prefeito da Capital olhar à direita ao entrar à Prefeitura? E que, na saída, olhasse à esquerda? No outro lado da rua ia deparar-se com o prédio centenário, símbolo da cidade, um segundo lar, presente nos cartões-postais e ignorado pela Prefeitura.

 

Desde 2007, o Mercado não tem plano de prevenção de incêndio, ainda que quase 50 mil pessoas circulassem por lá diariamente. Tanta aglomeração comportaria um subprefeito, atento a tudo _ da limpeza aos botijões de gás, "proibidos" mas que apareceram na calçada após o incêndio, salvos do fogo. Se até os pequenos edifícios de apartamentos têm um síndico, por que não o majestoso Mercado Público?
"Mas há uma associação!" _ responderá a Fifa, sem dizer que é algo burocrático, para as contas do mês.


***
O Mercado está no outro lado da rua, mas quantas vezes o prefeito esteve lá, fora da campanha eleitoral? No incêndio, pouco importa que ele diga ter chegado "em 15 minutos", antes dos bombeiros, até. O importante é que, antes do fogo, zelasse pelo Mercado, como faz naquilo que a Fifa exige.
Meses atrás, para mostrar-se atento "aos compromissos" da Copa, o prefeito explicou que, todas as semanas, se comunica com a Fifa, lá nos Alpes suíços. Quantas vezes, porém, cruzou a rua e olhou o mercado? Ou a revoada dos pombos que se aninham na Prefeitura tapou a vista?
Pela TV, ouvi (estarrecido) o vice-prefeito Melo "explicar" o incêndio com uma ideia esdrúxula: "Tragédias acontecem!" _ disse, como se (num prédio atulhado de fogões, câmaras frigoríficas, produtos inflamáveis e alimentos) o fogo "acontecesse" ao acaso...
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Veja-se a espionagem da CIA norte-americana no Brasil. Dos telefonemas às mensagens eletrônicas, de juras de amor a segredos industriais ou minúcias do pré-sal, das manobras militares às da Bolsa de Valores, das falcatruas às receitas da internet, tudo passa por eles. Uma das bases espiãs espalhadas pelo mundo teve sede em Brasília pelo menos até 2003 e pode ainda estar lá, intocável e tranquila.
Ninguém em Brasília soube disso, porém. Boa parte da estrutura governamental dedica-se "à segurança" da Copa e ignora o resto. O que a Fifa exija, cumprimos. A soberania nacional já não significa independência política, econômica, científica e tecnológica, mas fazer o "melhor mundial de futebol de todos os tempos".
Em 16 de junho, sintetizei aqui as revelações do ex-técnico da CIA Edward Snowden, que desnudaram tudo. Agora, o jornal O Globo revelou detalhes de como a CIA espiona o Brasil - governo, empresas privadas e pessoas. Em janeiro, ficamos pouco atrás dos Estados Unidos, que teve 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens violadas.
Mesmo assim, negamos asilo político a Snowden, que se expôs à perseguição "por dever moral". No escândalo, reagimos como país dominado e subserviente. Quatro ministros "estudam o tema" _ Comunicações, Defesa, Relações Exteriores e o chefe da Abin, um general. O das Comunicações falou com o embaixador dos EUA, que garantiu "non haver expionagge". Depois, foi ao Senado e chamou tudo de "bisbilhotagem e xeretagem", coisa de vizinho fuçando a vida alheia pela janela...

A Fifa manda mais do que a ONU, mas não intervirá. Seus telefonemas e mensagens foram espionados também e é melhor calar-se!
* Jornalista e escritor

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