segunda-feira, 29 de julho de 2013

“Quando só o papa salva”


Marcelo Barros*


“Só o papa salva” é a manchete de primeira página do O Globo deste sábado, 27 de julho, penúltimo dia da Jornada Mundial da Juventude. Essa manchete do jornal carioca joga propositalmente com a ambiguidade de sentidos. Quem lê a notícia descobre que se está tratando da desorganização da jornada a qual o prefeito do Rio deu nota zero. No caos que a jornada provocou na cidade, o papa é o único elemento que deu certo, tanto em sua comunicação direta e simpática, como por sua disponibilidade e energia em cumprir pontualmente todos os compromissos e agradar a todos os que o esperavam e queriam encontrá-lo. De todos os modos, por falar em salvação, o título não parece distante daquilo que é proposto e acreditado pelos organizadores e pela maioria dos/das participantes da Jornada Mundial da Juventude. É um evento criado pelo papa João Paulo II em 1985 para atrair a juventude do mundo para a Igreja Católica tradicional, para não dizer tradicionalista, no sentido de volta à velha Cristandade dos séculos medievais com algumas pinturas de nova (alguns falam em neo-cristandade): Cristandade centralizada e simbolizada pela figura monárquica do papa. Conforme o desejo de João Paulo II e o pensamento do Vaticano, o papa é a única estrela do evento. Se não fosse o papa, nunca a Jornada da Juventude reuniria um milhão e meio de pessoas. Por outro lado, a novidade desta Jornada do Rio é o papa Francisco. A pergunta que muita gente se faz é o que significa esse papa com seu estilo simples e simpático nessa estrutura monárquica, absolutista e, ao mesmo tempo, fossilizada e em grave crise do Vaticano e da hierarquia eclesiástica católico-romana.
Não podemos esquecer: a própria figura do papa, como ele se apresenta hoje, chefe de Estado e sumo-pontífice, é de Igreja Cristandade. Ele pode falar no evangelho e pedir fé em Jesus, mas, seja quem for o papa, a centralização que provoca em sua pessoa e em cada gesto seu (mesmo se for simpático e evangélico), no lugar de ajudar as pessoas a se aproximarem do evangelho, como pede justamente o papa Francisco, acaba reforçando a estrutura eclesiástica e patriarcal e não o testemunho do Cristo simples, pobre e libertador. Enquanto o papa não renunciar a ser chefe de estado e monarca absoluto da cristandade medieval, pode fazer esses gestos simpáticos de deixar papamóvel e andar de jipe ou querer estar mais perto do povo. Entretanto, será sempre um rei, como rei será visto e como rei, mesmo rei humilde e simpático, mas rei, se comportará.
A Jornada fala em missão. Seu lema é “Ide e anunciai. Fazei discípulos em todas as nações”. No entanto, a compreensão sobre missão é estritamente religiosa e espiritualista. Não há nenhuma abertura para a missão do jovem na escola e na universidade ou no trabalho. Nada ecumênico, nenhuma referência a outras Igrejas, outras religiões ou simplesmente à juventude do mundo que não acampa em nenhuma catedral religiosa. E mesmo a concepção dessa missão religiosa é estritamente tradicional, baseada em devoções dos tempos de nossos avós e anterior à renovação da Igreja promovida pelo Concílio Vaticano II.
Durante a semana, ligada à Jornada, o pessoal mais ligado às pastorais sociais e CEBs, organizaram a Tenda dos Mártires, implantada em uma paróquia da zona norte do Rio, com debates e celebrações no estilo da caminhada da Igreja dos mártires e da libertação. Longe de Copacabana e dos principais eventos, só foi lá quem já estava ligado.
Sem dúvida, nesses dias, companheiros/as mais ligados à Igreja das bases, tentamos aproveitar uma ou outra palavra de Francisco, aqui e ali, para ressaltar o seu apoio aos empobrecidos e seu desejo de um mundo mais justo e igualitário. E o papa disse palavras assim. Mas, como transpor a própria cultura na qual isso é dito e assim essas palavras se tornarem mais eficazes?
Na Via Sacra encenada na Jornada, de um lado liam textos da profecia do Servo Sofredor de Isaías (sobre o messias humilhado e oprimido) e, ao mesmo tempo, embaixo do palco, a Cruz peregrina tinha uma guarda de honra da marinha brasileira ou do exército marchando militarmente ao seu lado, enquanto os atores da Globo recitavam os textos.
Nessa jornada, ao inserir-se nessa Igreja tão tradicional e fechada, o papa ajudou porque, através de seus gestos e palavras, propôs que ela se torne mais humana e próxima das pessoas. O papa exortou os cristãos a não perderem a esperança, a manterem a alegria e a não cederem à cultura do individualismo. Tomara que ao menos isso fique como proposta do papa durante essa semana e padres e bispos obedeçam a esse conselho.
Ontem, entrei em uma farmácia para comprar uma aspirina e ouvi a discussão de dois homens na fila do caixa. Um protestava pelo fato de um evento particular de uma Igreja causar tanto dano ao trânsito à vida da cidade (dois dias de feriado municipal). E o outro respondeu: “Tem paciência porque isso é o canto do cisne de uma Igreja que está morrendo e não aceita reconhecer isso”. Ouvi aquilo, mas discordei. Justamente, ao contrário, minha impressão ao ver essa semana toda centrada em devocionalismos baratos ou meio vazios e em uma papolatria superficial e inútil, uma coisa me impressionou: a teimosia da fé de muita gente, (tanto pessoas jovens, como adultas), que, apesar de tudo e contra tudo, se mantém como base para comunidades de fé, mais sólidas e autônomas, centradas na liberdade do Espírito que “sopra onde quer, ouvimos a sua voz, mas não sabemos de onde vem, nem para onde vai” (Cf. Jo 3, 7).

sexta-feira, 26 de julho de 2013
Estou acabando de acompanhar pela rede Globo a via sacra com o papa e a multidão de um milhão de jovens (1.500.000?).
A via sacra é uma devoção que me lembra minha infância e um catolicismo mais fixado na cruz e na morte de Jesus do que na Páscoa e na ressurreição (não estou com isso querendo separar a morte e a ressurreição, mas superar o isolamento no aspecto doloroso e sacrificial). É popular e por isso compreendo que pastoralmente a Igreja a preserve. Mas, justamente o que achei dessa que está acabando de se realizar na praia de Copacabana é que não tem nada de popular e tem alguns aspectos contraditórios com a mensagem que deseja passar. Em primeiro lugar, a tal Cruz peregrina, que na Jornada representa Jesus, é ladeada por um batalhão da marinha ou de algum outro grupo militar, devidamente fardado e marchando militarmente. Que forma estranha de honrar a cruz de Jesus que morreu para trazer ao mundo paz e reconciliação.
Além disso, entre os jovens que carregaram a cruz durante toda a via sacra, nenhum/a negro/a, nenhum com cara de pobre. Todos vestidos de bata, mas alvos ou brancos e cara de classe média alta... Posso estar enganado. Todas as pessoas que proclamaram textos bíblicos (curtos e bem escolhidos) o fizeram de longo, ou de paletó e gravata... A maioria artistas da Globo (Ana Maria Braga, Eriberto Leão, Cássia Kiss, Elba Ramalho, etc). As que faziam oração representavam um seminarista de batina e fala bem alienada, uma freirinha - coitada - suspirando piedade. E para não ser tudo assim, havia em uma das estações alusões à pastoral carcerária, mas sem dizer nada sobre ela Parece que havia carcerários diante do cenário, Não percebi porque estavam todos de terno e gravata... Algumas orações faziam alusão a problemas de hoje (evangelizar o mundo virtual da internet, vencer a opressão econômica sobre o jovem, o problema dos doentes terminais, mas tudo tinha um tom individualista de alguém que expressava sua piedade e a multidão de juventude em nenhum momento foi convidada a participar de nada. Só olhar e admirar.
A Via Sacra teve uma dramatização artística de bom gosto, com música clássica tocada por uma orquestra maravilhosa, textos musicais belíssimos e atores excelentes. Mas, em termos de oração, me pareceu nada participativa. E a própria grandiosidade e majestade do cenário - um palco para mil pessoas e que colocava o papa sentado em uma cátedra a oito metros de altura, tudo isso tornava difícil conciliar o que se falava sobre entrega da vida e amor de Jesus e aquilo que se via - o palco tomado por bispos e cardeais vestidos de preto e vermelho - o papa parecia de todos o mais simples - com sua batina branca - e em algumas imagens que o mostravam durante a via sacra - posso estar enganado - tive a impressão de que ele tirava um cochilo - o que fazia muito bem - que ninguém é de ferro.
Agora estou escutando a homilia do papa Francisco. Uma palavra profunda e como sempre afetuosa. Tocou em vários problemas concretos. Propôs uma oração pelos jovens, vítimas do incêndio da boate de Santa Maria. Falou dos pais e mães que têm filhos e filhas dominados pela droga. Falou da juventude decepcionada com a política oficial e a corrupção. Fez um apelo à esperança e à sairmos de nós mesmos e sermos solidários.
Foi a homilia mais viva e mais direta que eu senti dele nessa semana.
Conversa, sexta feira, 26 de julho 2013
Uma primeira lição que tiro dessa minha participação (mesmo indireta) na Jornada Mundial da Juventude não diz respeito à jornada como tal e sim ao país em que vivo. Se eu puder, fugirei do Brasil nos dias da próxima copa de futebol em 2014. Meu Deus, que desorganização e falta absoluta de estruturas para acolher muita gente. Ontem, pelo fato de que na praia de Copacabana, se reuniria a multidão dos jovens (há quem diga que chegam a um milhão e meio) junto com o papa Francisco, no Rio, ninguém mais fazia nada nem nada funcionava. Metrô parado das 16 h até às 21 h. Não havia ônibus nem mesmo taxi podia entrar em Copacabana. Eu voltava do meu trabalho no morro de Sta Marta, já mais cedo para evitar isso e fiquei de 18 às 21 horas esperando em Botafogo que abrissem o metrô e eu pudesse embarcar. Assim mesmo, não podiam parar na estação mais próxima de onde estou hospedado e com isso tive de descer na estação seguinte e percorrer cinco ruas absolutamente lotadas de gente (todos muito pacíficos e sem nenhum problema), mas hoje decretei que não tenho condições de passar pelo mesmo problema. Trabalho aqui e não vou sair para fazer gravações.
Até aqui, sinto que a simpatia e a simplicidade do papa Francisco não o levaram a nenhuma atitude ou palavra profética. Ele diz que devemos fazer uma sociedade solidária, mas nenhuma palavra sobre como seria isso. Por que não falar da economia solidária ou mesmo que fosse da tal economia de comunhão proposta pelo grupo católico dos folcolarinos? Nada. Tudo vago e genérico. Esteve na favela de Manguinhos, falou no campo de futebol, onde na parede em frente a qual ele estava falando tinha uma grande foto de Dom Oscar Romero. Poderia ter feito uma alusão ao arcebispo mártir. Nada.
Foi a uma capela da favela onde não é paróquia e ali se reune uma comunidade eclesial de base. Seria a oportunidade para apoiar as Cebs. Nada.
Será que isso é uma estratégia de começo de ministério para não bater de frente com a cúria romana e com o papa emérito? Não sei.
-----------------------------
* Monge beneditino. Escritor.
Fonte: http://www.marcelobarros.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário