Foi como voltar alguns séculos no tempo. Não exatamente como a História aconteceu, mas como foi recriada para o paladar contemporâneo em seriados como Os Bórgias e DaVinci’s Demons: a semana que passou foi toda a respeito de papas e reis – o atual Papa, “o simples”, e o novo herdeiro do trono britânico, “o futuroso” . (E por alguns dias tudo pareceu tão previsível e ordenado quanto deveria ser antes de o Iluminismo bagunçar o coreto defendendo ideias de liberdade de pensamento e igualdade entre os homens.)
Uma célebre frase do biólogo britânico Richard Dawkins lembra que todos somos ateus no que concerne à maioria das crenças já criadas pela humanidade. Podemos estender a observação de Dawkins para além do universo religioso. Na verdade, todos somos céticos com relação a boa parte dos cultos (religiosos, cívicos, esportivos, intelectuais...) que mobilizam multidões mundo afora. Eu, por exemplo, sou indiferente com relação à religião e futebol, mas já fui capaz de passar seis horas em pé e na chuva para assistir a um show. O que é do gosto regala a vida e nunca é ridículo – a não ser, talvez, para quem vê de fora.
Pois, para quem está de fora, toda a atenção dispensada ao nascimento do novo membro da família real britânica (salve, George) e à passagem do Papa pelo Brasil desperta, além do desconforto, algumas reflexões.
A primeira diz respeito à sobreposição de valores pré-modernos – o sangue real, a representação divina na Terra – com o fenômeno contemporâneo da espetacularização. Um rei e um papa são símbolos de algo maior para boa parte da multidão que se postou diante dos portões do Palácio de Buckingham, lotou as areias de Copacabana ou consumiu toneladas de notícias sobre esses dois assuntos ao longo da semana. Mas a aura simbólica, sozinha, não explica o banquete midiático oferecido por um nascimento real ou por uma bênção papal. É preciso levar em conta que o Papa e o pequeno príncipe são celebridades, não menos “vendáveis” do que Brad Pitt, Oprah Winfrey ou J.K. Rowling. Tanto a Igreja Católica quanto a realeza britânica carregam o bônus – e o ônus – de serem afetadas pelo carisma (ou falta de) de pessoas que ao mesmo tempo as representam como instituição e são “consumidas” como produtos midiáticos.
A outra observação vale para crentes e ateus, republicanos e monarquistas, apocalípticos e integrados e misantropos em geral: aceitar generosamente o fato de que nem todos sentem, pensam e transcendem da mesma forma deveria fazer parte do processo de amadurecimento de todas as pessoas – e de todos os países também.
E para defender esse valor universal ainda não inventaram nada mais eficiente e justo do que o velho e bom Estado laico e democrático.
Uma célebre frase do biólogo britânico Richard Dawkins lembra que todos somos ateus no que concerne à maioria das crenças já criadas pela humanidade. Podemos estender a observação de Dawkins para além do universo religioso. Na verdade, todos somos céticos com relação a boa parte dos cultos (religiosos, cívicos, esportivos, intelectuais...) que mobilizam multidões mundo afora. Eu, por exemplo, sou indiferente com relação à religião e futebol, mas já fui capaz de passar seis horas em pé e na chuva para assistir a um show. O que é do gosto regala a vida e nunca é ridículo – a não ser, talvez, para quem vê de fora.
Pois, para quem está de fora, toda a atenção dispensada ao nascimento do novo membro da família real britânica (salve, George) e à passagem do Papa pelo Brasil desperta, além do desconforto, algumas reflexões.
A primeira diz respeito à sobreposição de valores pré-modernos – o sangue real, a representação divina na Terra – com o fenômeno contemporâneo da espetacularização. Um rei e um papa são símbolos de algo maior para boa parte da multidão que se postou diante dos portões do Palácio de Buckingham, lotou as areias de Copacabana ou consumiu toneladas de notícias sobre esses dois assuntos ao longo da semana. Mas a aura simbólica, sozinha, não explica o banquete midiático oferecido por um nascimento real ou por uma bênção papal. É preciso levar em conta que o Papa e o pequeno príncipe são celebridades, não menos “vendáveis” do que Brad Pitt, Oprah Winfrey ou J.K. Rowling. Tanto a Igreja Católica quanto a realeza britânica carregam o bônus – e o ônus – de serem afetadas pelo carisma (ou falta de) de pessoas que ao mesmo tempo as representam como instituição e são “consumidas” como produtos midiáticos.
A outra observação vale para crentes e ateus, republicanos e monarquistas, apocalípticos e integrados e misantropos em geral: aceitar generosamente o fato de que nem todos sentem, pensam e transcendem da mesma forma deveria fazer parte do processo de amadurecimento de todas as pessoas – e de todos os países também.
E para defender esse valor universal ainda não inventaram nada mais eficiente e justo do que o velho e bom Estado laico e democrático.
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* Escritora. Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 27/07/2013
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