Juremir Machado da Silva*
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Outro dia, no twitter, escrevi isto: “Só sei que nada sei.
Por isso, só falo do que leio, ouço e vejo”.
Sou humilde.
Humildemente arrogante.
Um provocador.
A provocação, segundo Heidegger, é um modo de descobrimento, de desvendamento, de fazer emergir.
A técnica moderna é um modo específico de descobrimento: uma provocação.
Uma interpelação.
Submete pela sua racionalidade a natureza e o homem.
Permite acumular a energia obtida.
Num sentido figurado, para além de Heidegger, a provocação faz entregar tudo.
Comecei com Sócrates, o primeiro, o pensador – o do Corinthians também filosofava, embora fosse melhor com o calcanhar, que não era de Aquiles – e terminei, por vias transversas, com o romano Publio Terêncio Afro, autor de “Heaautontimorumenos”, obra que não li. Esse dramaturgo e poeta cravou uma frase na história, em latim, que não domino: “Homo sum: nihil humani a me alienum puto”. Não, ele não estava saindo armário. Estava apenas dizendo: “Sou homem: nada do que é humano me é estranho”. Tudo o que é da esfera pública, expressão que o alemão Habermas terminou de consagrar, é do meu interesse e me permito examinar lendo, ouvindo e vendo. É por isso que modestamente a Taline Oppitz e eu temos um programa na Rádio Guaíba chamado Esfera Pública.
Intelectuais e jornalistas devem desafiar os especialistas.
O especialista dá carteiraços por definição. Quer ser o dono de certos assuntos. É uma posição de autoridade. Toda vez que alguém reclama a opinião do especialista para silenciar um interlocutor quer melar o jogo e resolver tecnicamente o que é social. O intelectual – desde que Emile Zola saiu da sua especialidade de escritor e bradou, nas colunas do jornal “L’Aurore”, “eu acuso”, desmascarando o antissemitismo dos franceses no caso Dreyfus – existe para mostrar que os assuntos da sociedade são complexos demais para ser deixados nas mãos dos especialistas. A maioria desses assuntos é dominada por qualquer um com algumas horas de estudo e com um pouco de inteligência.
A decisão sobre eles sempre deve pertencer a todos.
Sou um ignorante. É por isso que sei muito. O comportamento dogmático busca a explicação para tudo no passado. A postura do cientista e do intelectual é pragmática: como não sabem, investigam. Acertam e erram. Corrigem-se. Sou discípulo de Nicolau de Cusa (1401-1464), pensador da “douta ignorância”, obra publicada em 1440. Alguns princípios da douta ignorância são: a sabedoria não vem de fora infundida, mas é dentro de si mesma; a razão é que deve determinar as coisas; o intelecto capta a atualidade; a Terra não é o centro do universo, e tampouco existe ponto de referência, tudo é relativo e não existe um lugar de privilégio no universo; a mente não se sacia.
Aprendi a admirar Nicolau de Cusa ouvindo Jean Baudrillard ler trechos de suas obras saboreando uma taça de vinho tinto e ironizando os especialistas em enologia e em metafísica. Eu me identifiquei com os “diálogos de um idiota”. Sou um. O idiota sabe que nada sabe, o que lhe dá liberdade para pesquisar e opinar sobre tudo o que a sua mente seja capaz de alcançar. O melhor curso particular que tive na vida foi com Baudrillard, sobre a ideia de “pro-vocação” em Heidegger, num bar de Montparnasse. Conheci homens inteligentes. Baudrillard e Jean-François Lyotard eram gênios. Fui entrevistar Lyotard certa tarde.
Ninguém abriu a porta. Ao anoitecer, a mulher dele me ligou para justificar: “Jean-François morreu”.
Nada sei.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor.
Fonte: Correio do Povo online, 18/04/2015
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