sábado, 25 de abril de 2015

" Planilhas do Mundo Real "

Editorial Zero Hora

 

25 de abril de 20150
MARCELO PERRONE
Repórter de Zero Hora
marcelo.perrone@zerohora.com.br
 
Dias atrás, alguém provocou no Facebook: quem de seus amigos, reais e virtuais, havia sofrido ou testemunhado casos recentes de violência na Cidade Baixa, bairro de Porto Alegre que vem pautando o embate entre civilização e barbárie. Em minutos, dezenas de comentários sobre assaltos, agressões, danos a veículos e situações de risco encaradas desde as noites na Lima e Silva e arredores à luz do dia subindo a Borges em direção ao Centro.

 Embora o improviso e a falta de rigor metodológico, chegamos ao ponto de pesquisas como essa traduzirem com mais precisão a real situação da insegurança pública do que os dados pinçados por autoridades de planilhas desconectadas do mundo real. O drama não está circunscrito à Cidade Baixa, diga-se, pois volta e meia ele circula via redes sociais por Menino Deus, Bom Fim, Petrópolis…

Usar registros de ocorrências para demonstrar que a situação não é tão grave quanto estamos vendo parece deboche de quem busca, mais que não reconhecer o que salta aos olhos, isentar-se da responsabilidade que lhe cabe. Culpam-se assim as vítimas pelo descrédito à queixa na delegacia mais próxima por reais a menos na carteira, pelo celular agora em mãos alheias, pelo rosto que ainda arde com o tapa, pelo corpo que dói após a surra.
 

 Relatos informais desses tempos selvagens que não envolvem crimes graves não engrossam as estatísticas oficiais. Mas reforçam a percepção coletiva de que a cada dia se gira a roleta para ser o alvo da vez, em um cenário no qual a falta de policiais circulando pelas ruas em meio aos vilões da história é apenas a parte visível da falência múltipla dos órgãos de diferentes esferas do poder por nós alimentados, com nossos votos e com nossos impostos.

 Enquanto isso, ensinamos às crianças grandes que nenhum bem material subtraído é insubstituível e treinamos nas pequenas a habilidade para soltar o cinto de segurança do carro em situação de risco.

 Os efeitos dessa tensão não são apenas traumas individuais, que, ao fim e ao cabo, são gotas no oceano de um risco maior: o embrutecimento coletivo de corações e mentes, terreno fértil da intolerância, da insensibilidade e do cada um por si no qual germinam figurões engravatados tão perigosos quanto o bandido de arma na mão.
 
 
 

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