quarta-feira, 25 de março de 2015

" Que tempos ... "

Artigo Zero hora

MOISÉS MENDES
Jornalista

Meu grande choque de tecnologia do século 21 foi quando entrei numa loja de fotografia, há uns cinco anos, e pedi para copiar em papel as fotos do meu neto Joaquim, que estavam no celular. A moça disse que eu deveria apertar o botão e transferir as imagens para a impressora. É o blutufe, me disse ela. Como analfabeto tecnológico, fiquei impressionado.
Mas sempre tenho a sensação de que cheguei ao meu limite no bluetooth e que nunca terei equipamentos e aplicativos que estão sendo lançados agora, como esses que o Marcos Piangers viu no SXSW, o festival da inovação e do entretenimento em Austin, no Texas.
Penso que eventos assim devem ter 90% de enrolação e apenas 10% de inovação. Não iria a nenhum deles, muito menos em Austin, uma cidade em que ninguém, mas ninguém mesmo, anda a pé na rua.
Sei porque um dia, há muito tempo, era a única pessoa andando pelas ruas de Austin, como se fosse o personagem de um cenário digital. Os texanos inventaram a cidade sem gente. Sou do tempo de cidades com gente, quando as coisas duravam.

O Piangers contou que algumas novidades podem durar apenas meses. Não entendo. Sou do tempo em que, como dizia Machado de Assis, existiam velhos, mas poucos. Os velhos não eram tantos porque raros sobreviviam. Hoje, as pessoas vivem muito e as coisas vivem pouco.
Meu primeiro celular com o bluetooth parou de funcionar de repente. O que tenho hoje pode, a qualquer momento, entrar em colapso.
Sou do tempo em que as kombis tinham o aviso “faz-se frete”, e uma Kombi, o carro preferido do Joaquim, durava 40 anos. Sou do tempo em que, para ofender alguém, até os adultos diziam: vai tomar banho. Porque não se tomava tanto banho. Os guris (as gurias não) iam para o colégio com cascão de sujeira no pescoço.
Em pouco tempo, diremos que fomos dos últimos tempos do rock, porque também o rock vai desaparecer, assim como o jeans e o Facebook também sumirão. Mas contaremos, daqui a algum tempo, que fomos do tempo em
 que alguns fracassaram na tentativa de reinventar os golpes.
Poderemos dizer que pertencemos a um tempo em que a apologia ao golpe foi apenas o blefe de ingênuos, espertalhões e imaturos, que até poderiam saber tudo de tecnologia, mas não sabiam lidar direito com os botões, as derrotas, as imperfeições e as frustrações da democracia.

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