Artigo ZERO HORA
CEZAR BITENCOURT[ Advogado criminalista]
Com o fundamento invocado da confessada falência do Estado para combater a dita “criminalidade organizada”, a eufemisticamente denominada delação premiada foi inaugurada no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90, art. 8º, parágrafo único). Como se tivesse descoberto uma poção mágica, o legislador contemporâneo acena com a possibilidade de premiar o traidor _ atenuando a sua responsabilidade criminal _ desde que delate seu comparsa, facilitando o êxito da investigação das autoridades constituídas. Com essa figura esdrúxula, o legislador brasileiro possibilita premiar o “traidor”, oferecendo-lhe vantagem legal, manipulando os parâmetros punitivos, alheio aos fundamentos do direito-dever de punir que o Estado assumiu com a coletividade.
É difícil admitir, sem qualquer questionamento ético, a premiação de um delinquente que, para obter determinada vantagem, “dedure” seu parceiro, com o qual deve ter tido, pelo menos, uma relação de confiança para empreenderem alguma atividade, no mínimo, arriscada, que é a prática de algum tipo de delinquência. Venia concessa, será legítimo o Estado lançar mão de meios antiéticos e imorais, como estimular a deslealdade e traição entre parceiros, apostando em comportamentos dessa natureza para atingir resultados que sua incompetência não lhe permite através de meios ortodoxos?
Num país onde impera a improvisação e tudo é desorganizado, como se pode aceitar que só o crime seja organizado? Quem sabe o poder público, num exemplo de funcionalidade, comece combatendo o crime desorganizado (que é a criminalidade de massa e impera nas grandes cidades, impunemente), já que capitulou ante o que resolveu tachar de crime organizado ou organização criminosa; pelo menos combateria a criminalidade de massa, devolvendo a segurança à coletividade brasileira, que tem dificuldade até mesmo de transitar pelas ruas das capitais. Está tornando-se intolerável a inoperância do Estado no combate à criminalidade, seja ela massificada, organizada ou desorganizada, conforme nos têm demonstrado as alarmantes estatísticas diariamente.
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