sexta-feira, 27 de março de 2015

" História de Taxista "

Artigo Zero hora


MOISÉS MENDES
jornalista

Há taxistas se passando com as passageiras. O aplicativo que permite chamar um táxi deveria facilitar a vida de todo mundo. Também facilita cantadas. O número do telefone da cliente fica no celular do motorista, que passa a assediá-la com torpedos e ligações depois das corridas.

No tempo antigo, os taxistas transpiravam a identidade das cidades. Mas, uma hora, até isso se perde. Os taxistas de Buenos Aires, com aquela fleuma, eram parte das atrações portenhas. Hoje, você deve se cuidar para não cair num golpe aplicado por um deles.
No Rio, você puxa conversa com um taxista e ele fala sobre o ajuste fiscal do Joaquim Levy, a crise na Ucrânia e o novo fuzil usado pelos traficantes.
Mas gosto mesmo dos nordestinos que dirigem em São Paulo. Fico feliz quando chamo um táxi e aparece um nordestino.
Um dia, no Ibirapuera, embarquei ao acaso no táxi de um cearense de uns 70 anos. Logo ele me disse: adoro gaúcho, porque é o povo mais macho do Brasil. E foi contando sua história, até confessar: faço essa corrida e depois vou pra casa da minha segunda mulher.
Não era amante, era a segunda mulher. Tinha duas. A primeira, que veio junto de Parambu, convivia com ele a partir das 23h e até o outro dia às 10h. Ele ia então para a rua, trabalhava até as 16h e corria para a casa da segunda.
A segunda era alagoana. Não trabalhava, só ficava a sua espera fazendo comidinhas. Me disse com a maior naturalidade: tenho duas, mas nunca teria três. E às vezes acrescentava de novo: gaúcho é macho, entende do que eu falo.
Perguntei se nunca deu rolo. Disse que nunca levou flagrante. No começo, mas só no começo, quando ia para a segunda, fazia tantas voltas nas ruas que ninguém conseguiria segui-lo. Tinha um filho com a primeira e dois com a segunda. Só a segunda sabia da existência da primeira.
Fiquei impressionado, não com a história, mas com a facilidade com que ele falava daquilo para um estranho. Circulei com o cearense durante a semana que fiquei na Pauliceia, e a cada saída ele dizia: às quatro da tarde eu paro.
Pensei nele por causa do assédio dos taxistas pelo celular. Meu lado de sociólogo, que desenvolvi nas conversas nos táxis, me diz que aquele homem deve estar constrangido com o que seus colegas andam fazendo.

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