DAVID COIMBRA
O lado selvagem
Fazia um sábado azul, amarelo e verde-claro e a brisa soprava macia e cheguei para meu filho e disse:
– Hey, man! Que tal sairmos por aí sem destino, rodando pelas estradas de New England?
Ele sorriu um sorriso de sete anos de idade.
– Boa ideia, papai! Ganhamos a rua.
Não tenho carro.
Faço quase tudo que tenho de fazer a pé, ou uso trem, ou o Uber, que sei que já existe no Brasil. Quando quero um carro, como no sábado, valho-me de um sistema parecido com esse de empréstimo de bicicletas, que tem em Porto Alegre: o Zipcar. Há milhares de carros espalhados pelas ruas. Escolho um pela internet, marco por quanto tempo quero e vou até o lugar em que está estacionado, geralmente bem próximo.
Passo um cartão no para-brisa e as portas se abrem. A chave está no console. Não precisa nem pagar gasolina, porque eles deixam um cartão de crédito para isso no porta-luvas. São sempre carros ótimos e novos. Mostrei as fotos para o Bernardo escolher em qual iríamos passar o dia. Ele apontou para uma BMW.
Agora fui eu que sorri um velho sorriso.
– Grande escolha, man!
Entramos no carro. Conferi o painel, para ver se entendia como funcionava. Dei a partida. E o motor ronronou. Enquanto rodávamos devagar, liguei o rádio, sintonizei na WROR e Lou Reed começou a cantar: “Hey honey! Take a walk on the wild side!”.
O Bernardo apurou o ouvido:
– O lado selvagem, papai? Ele está falando dos bi
chos, como os tigres?
– Não – respondi, enquanto pegava a estrada. – Ele está falando do lado selvagem da vida. Às vezes, a gente tem de andar pelo lado selvagem da vida, entende?
– Mas não é perigoso?
– Não tem de ser perigoso. Nem para nós, nem para ninguém.
Mas às vezes você tem de simplesmente fazer o que não está acostumado a fazer, entende? Pode ser algo pequeno e singelo, como ver filme na TV até de manhã, tomar champanhe na segunda-feira, preparar uma massa à bolonhesa às duas da madrugada, pegar um trem para Nova York só para ver a grande cidade, comprar um carrinho de bombeiros novo para o seu filho sem motivo algum, levar rosas para a sua mulher no fim da tarde de quinta-feira, mandar um cartão-postal para um amigo dizendo que ele é um grande cara ou sair por aí sem destino, como nós estamos fazendo agora.
O lado selvagem da vida pode ser doce!
Meu filho ficou pensando. Nesse momento, rolava outra velha canção na WROR. “Please, tell me who I am”, pedia o Supertramp. Por favor, me diga quem eu sou. Combinava com o dia. Que importa quem eu sou?, pensei.
O que importa é viver este sábado azul, amarelo e verde-claro e poder sair por aí com meu filho e ouvir um rock’nd’roll suave e ver esse mar imenso que vejo agora pela janela do carro e saber que está tudo bem e...
– Papai... – meu filho interrompeu o devaneio.
– O que é? – Eu vou ganhar aquele carrinho de bombeiros mesmo?
– Por que não, garoto? E lá fomos nós, pelo lado mais ou menos selvagem da vida.
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