segunda-feira, 9 de junho de 2014

" Um sopro para a liberdade "

origamis

 


Sri Sri Ravi Shankar, líder espiritual indicado quatro vezes ao Nobel da Paz, e conta como sua técnica de meditação transformou a vida de muita gente


                                                      Carolina Bergier




Depois de passar por dois portões gradeados e ter minha bolsa e o celular apreendidos, chego a um grande pátio, com a seguinte frase pintada na parede descascada: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Falar de liberdade ali me parece irônico.

Estou no presídio Evaristo de Moraes, na zona norte do Rio de Janeiro, para acompanhar a visita do líder espiritual indiano Sri Sri Ravi Shankar, idealizador da Arte de Viver, uma fundação que está presente em 156 países, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e consultora no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Seus cursos já foram feitos por 300 mil pessoas ao redor do mundo e prometem trazer fortalecimento individual e combate ao estresse, por meio de técnicas de respiração chamadas Sudarshan Kriya.

A fundação tem, entre outras ações, o programa Prision Smart, no qual detentos participam de aulas de meditação e ioga. No Rio, cerca de 400 internos já foram beneficiados pela iniciativa. E minha missão ali era vivenciar a troca entre os detentos e Ravi Shankar.

Assim que recebi a notícia de que o mestre indiano havia chegado, tive permissão para gravar. Faço a entrevista com pressa, enquanto entramos no complexo onde estão as celas.

Em uma sala, dezenas de homens com calças jeans e camisetas brancas estão sentados no chão, cantando e olhando emocionados para o homem difusor da técnica que possibilitou a cada um deles lidar com a própria realidade de uma nova maneira.

Depois que a música termina, os políticos presentes discursam precedendo Guruji (como a fundação se refere ao mestre), que fala brevemente em um inglês carregado de sotaque. Uma voluntária traduz: "Quando há algo de errado com o corpo, vamos a um hospital. Quando há algo de errado com a ação, vamos a um lugar como esse. Então eu gostaria que você fizesse bom uso de seu tempo aqui para elevar seu espírito e sua mente. Qualquer que tenha sido o passado, largue-o, não perca tempo com arrependimentos. Assim, quando sair daqui, poderá ser um agente de mudança na sociedade", diz ele pausadamente, com uma impressionante capacidade de comunicação. Logo depois, Sri Sri pergunta quem gostaria de compartilhar alguma experiência ali.

O primeiro a falar é Raphael Baptista: "Ser feliz hoje, para mim, é encontrar forças no palco do medo". Em seguida, é tomado por uma onda de pranto que o impossibilita de continuar e é abraçado por um dos instrutores, nos braços de quem permanece até o fim do evento. Nesse momento, minhas bochechas chegam a doer. Um sorriso largo que se instaura em meu rosto. A troca ali me parece bastante genuína.

Silvio de Souza, um detento que diz estar ali "por obra do destino", sobe no palco para fazer um pedido aos colegas de presídio: "Quem ainda não fez o curso, faça. Vocês vão ver que a raiva, a angústia, a mágoa com a família que não aparece vão se transformar". Até agora, no Rio de Janeiro, por falta de voluntários, somente esta unidade conta com os cursos da Arte de Viver. A prefeitura se diz interessada em expandir o programa a outros presídios. Diferentemente das aulas de marcenaria, construção civil e algumas outras ministradas na unidade, os cursos de meditação e ioga não oferecem redução penal.


Após a cerimônia, todos cantam e dançam. Chamo alguns detentos para conversar. Absorvida pelas histórias, não percebo a rápida saída de Sri Sri, que se dirige para o próximo evento de sua visita ao Brasil, uma palestra em uma casa de shows. Os detentos também se mostram felizes por conversar comigo. Sou um respiro para seu cotidiano. Luiz Henrique Calisto Almeida me revela que a visita do mestre indiano foi a melhor coisa que aconteceu naquele lugar. "Receber quem ensinou pra gente a arte de viver é uma emoção muito forte. Comecei a vir às aulas porque queria sair da cela, tomar um ar. Não sabia que o ar ia tomar conta de mim através da respiração. Quando medito, saio de mim. Apesar de meu corpo estar aqui, minha mente e minha alma estão lá com meus filhos." Carolina Jourdan, voluntária do Prision Smart, teoriza em cima das palavras de Luiz. "A verdadeira liberdade está dentro de nós, e a meditação traz essa experiência. A mente e seus condicionamentos são nossa maior prisão", diz.

Saio de lá altamente impactada pela experiência. Entro no carro e dirijo até a casa de shows onde haveria o evento, pensando sobre se os detentos têm ideia do alcance das palavras do mestre indiano e da Arte de Viver. Sri Sri já foi considerado pela revista Forbes um dos cinco indianos mais influentes do mundo e indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz.

Chegando à casa de shows, fica claro que quem pagou de 25 a 60 reais para ouvir Guruji tinha muitas informações sobre ele. Gritos e pulinhos histéricos dividem espaço com sorrisos tranquilos em posição de lótus. Lembro-me de amigos pessoais que criticam o guru, alegando que ele tenha ficado rico vendendo métodos ancestrais com uma nova roupagem. De fato, CDs, DVDs, livros e camisetas são comercializados no saguão. Mas a vivência no presídio havia me provado que sua técnica tem de fato o potencial de mudar a maneira como as pessoas percebem suas vidas, seja a reciclagem de métodos real ou não.

Quando guruji sobe ao palco, novamente fica clara sua capacidade de comunicação. Seu discurso é bem moldado de acordo com quem escuta. Recordo o educador e filósofo brasileiro Paulo Freire, que acreditava na necessidade de estabelecer uma sintonia fina com as pessoas com as quais se interage através da chamada "linguagem do outro". O mestre indiano trouxe exemplos do cotidiano dos devotos presentes, como cinema, ginástica e trabalho. Referências que não poderia ter usado no presídio. Depois de exemplificar as muitas atividades diárias dos que o ouviam, concluiu: "De manhã até a noite, somos bombardeados por estímulos e nossa mente fica cansada. A meditação é um descanso diferente do que experimentamos ao dormir. Acalma a mente, energiza o espírito, fortalece o corpo, melhora o sistema imunológico. Você se sente bem, as emoções suaves".

Sua capacidade de comunicar estava clara, mas ainda me perguntava por que tantos ali o veneram. A resposta vem ao ser guiada por ele numa meditação. Por 20 minutos, que parecem 5, sou tomada por uma sensação de relaxamento intensa. Medito diariamente, mas seu tom de voz, o ritmo das palavras e principalmente a respiração proposta me fazem ir além. Há algo na técnica Sudarshan Kriya que me leva a um estado de calma maior do que em outras técnicas que já experimentei.

Corro para a porta do camarim, onde ele receberia jornalistas, mas é grande a multidão de seguidores que esperam e eu fico para trás, com uma pergunta por fazer: "Se a felicidade vem de dentro para fora, por que o senhor acha que tantos praticantes de Sudarshan Kriya veem o senhor como o responsável pela transformação pela qual passaram?" A dúvida permanece e a festa continua, com pessoas celebrando o fato de serem felizes consigo mesmas, aqui, agora.



Nenhum comentário:

Postar um comentário