segunda-feira, 23 de junho de 2014

" Desejada Plenitude "

 
                                                   Larissa Roso

O consumismo voraz e a tentativa de recuperar valores simples, como mais tempo para si, estão inseridos no conceito de como a felicidade é entendida nos dias de hojePeça uma definição de felicidade e ganhará uma mão cheia de explicações. É daqueles conceitos que até podem se parecer no significado mais amplo a maioria das pessoas almeja as mesmas boas e prazerosas sensações proporcionadas por saúde, dinheiro, paz, amor, segurança , mas a individualidade dita as nuanças. Felicidade muda de lugar, cor, forma, intensidade.
 
 
A filósofa Marcia Tiburi acusa a chamada indústria cultural da felicidade, fortalecida incessantamente pela propaganda e pelos meios de comunicação, pelo esvaziamento de valores e práticas mais relevantes. Criou-se uma receita. Há padrões regrando a aparência, as posses, os hábitos. O comercial de margarina, exemplifica Marcia, oferta um contexto idílico – mais do que um produto específico, o anúncio está vendendo o modelo de uma vida feliz. Essa “felicidade industrial” diminui o espaço e a disposição para relações significativas e profundas.
 
 
– A felicidade industrial não tem espaço para o outro. Vivemos em uma cultura de ostentação, nosso maior valor é a aparência – afirma Marcia. – As pessoas ficam completamente incapazes de ver o que estão fazendo com suas vidas. É uma grande contradição do nosso tempo: elas compram esse ideal de felicidade, compram os objetos que são os meios para alcançar a felicidade, e ao mesmo tempo estão deprimidas, se matando, correndo para comprar um monte de remédios – acrescenta.
 
 
Edson de Sousa, psicanalista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vê uma mudança de prioridades. Até pouco tempo, a felicidade estava intimamente ligada ao sucesso profissional e a seus subprodutos, como a consequente possibilidade de usufruir de casa, carro, viagens, grifes. O consumismo voraz não cedeu, mas hoje está visível a tentativa de se recuperar valores mais singelos – e por vezes inacessíveis.

"A felicidade industrial não tem espaço para o outro.
Vivemos em uma cultura de ostentação,
nosso maior valor é a aparência – afirma Marcia. –
As pessoas ficam completamente incapazes
de ver o que estão fazendo com suas vidas.
É uma grande contradição do nosso tempo:
elas compram esse ideal de felicidade,
compram os objetos que são
os meios para alcançar a felicidade,
e ao mesmo tempo estão deprimidas,
se matando, correndo para
comprar um monte de remédios – acrescenta"

 

No consultório, Sousa acolhe pacientes que lamentam não dispor de tempo, segurança, relações afetivas sólidas e tranquilidade em suas escolhas. Quem tem muito dinheiro acaba por invejar quem tem menos ou até bem pouco quando o peso do seu fardo de problemas não cede com cifras.
– É como se houvesse uma inversão. A pessoa que tem muitos bens e está aparentemente feliz é, às vezes, escrava de uma situação – avalia Sousa. – A felicidade está nas pequenas coisas, no cotidiano. Está em poder aceitar a sua finitude, poder aceitar que ser feliz não é ter tudo, não é não tropeçar, não cair, não sofrer. O sofrimento tem o seu valor, é uma maneira de te situar diante da vida. Não acredito na ideia de uma felicidade que pudesse ser o esvaziamento de qualquer angústia.
Em um mural publicado em Donna Online, uma centena de leitores respondeu à pergunta: “O que te faz feliz hoje?”. A microempresária Alba Feil, 51 anos, elaborou uma espécie de linha do tempo, fazendo uma retrospectiva dos desejos que experimentou:
– Quando tinha oito anos, felicidade, para mim, era a época de Natal, imaginar o Papai Noel e muitos presentes. Aos 16 anos, felicidade era encontrar o amor da minha vida, casar e ter filhos. Aos 30 anos, era ter minha casa própria, um bom carro e nenhuma conta para pagar. Aos 40 anos, era a minha aposentadoria, viajar e descansar. Quando cheguei aos 50 anos, percebi que adiamos a felicidade e, muitas vezes, nunca a encontramos. Hoje, ser feliz é viver o dia a dia, é ter meu trabalho, ter saúde, minha família, minha fé, meus amigos. Me aceitar e aceitar a vida como ela é, chorando algumas derrotas, mas vibrando muito com as conquistas, mesmo que sejam menores do que imaginei.
Ser feliz, conclui Alba, é uma opção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário