sábado, 28 de junho de 2014

" 20 anos de Plano Real "

 

"Poderíamos ter sido mais ambiciosos nas reformas", diz Gustavo Franco

Ex-presidente do Banco Central e um dos formuladores do Plano Real fala sobre o processo de formulação da moeda

28/06/2014 | 05h01
"Poderíamos ter sido mais ambiciosos nas reformas", diz Gustavo Franco Rio Bravo Investimentos/Divulgação
"A atual é uma inflação menor do que tivemos no passado, mas as defesas também estão mais baixas"  
        
Gustavo Franco era o economista mais jovem na equipe que formulou o Plano Real. Filho único de pai banqueiro, fez doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês).
 
 Aos 37 anos, foi chamado para trabalhar no Ministério da Fazenda, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso. Franco conta que o otimismo não era grande quando começaram a discutir o plano, mas assim que a Unidade Real de Valor (URV) ganhou as ruas, em março de 1994, teve certeza de que "daria certo".
 
Franco foi presidente do Banco Central de 1997 a 1999. Ao sair do governo, tornou-se sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, onde permanece até hoje.
 
Nesta entrevista, Franco fala sobre o processo de formulação da moeda, o que deveria ter sido feito de forma mais eficiente e sobre sua preocupação com a inflação atual, que beira os 6,5% ao ano, batendo no teto da meta.
 
 
Como foi o período de formulação do Plano Real?

A equipe juntava gente jovem, como eu, mas que havia estudado bastante o tema na academia, com outras pessoas de experiência em pacotes anteriores. Era preciso que houvesse uma janela de oportunidade e um estrategista político que soubesse explorar as janelas e apontar os caminhos, os momentos corretos de implementar as ideias e de que jeito. Esse foi o papel que coube a Fernando Henrique Cardoso.
 


Acreditava-se desde o princípio que iriam encontrar uma solução?
Nosso otimismo não era grande no momento que a coisa começou. Não que a gente não acreditasse em nossa capacidade, mas é que no passado outros planos inteligentes haviam sido feitos, ou pelo menos eram inteligentes até determinado momento, até que vem um elemento externo que muda a equação do plano, tem uma interferência política. Às vezes não basta, precisa conquistar a legitimidade.
 
Um dos planos foi o Cruzado, eficiente em reduzir a inflação em um primeiro momento. Havia a preocupação que isso acontecesse com o Real?
A gente aprendeu as lições de outros planos. Sabíamos exatamente o que deveria imitar e o que a gente deveria evitar. Dos anteriores, o Plano Cruzado era talvez o mais inovador, mas também foi o mais estragado por influências políticas externas, em particular o congelamento e os "fiscais do Sarney". A política fiscal do Plano Cruzado era tudo de ruim, tudo de errado. Então a construção inteligente acabou destruída por interferências. Na medida do possível, tentamos manter a integridade técnica do que estávamos fazendo e protegê-la de palpites e coisas que agradam aos políticos, mas que economicamente são desastrosas. Como controle de preços e políticas salariais generosas. Os políticos ficam com a sensação de que, no momento em que você vai combater a inflação, vai terminar com a miséria e fazer redenção econômica, e não é assim.
 
Qual foi o momento mais emblemático da formulação do Plano Real?
Quando a URV foi para as ruas, porque esse mecanismo foi uma surpresa total para a sociedade. Era uma fórmula de terminar com a inflação, era como um convite para as pessoas aderirem a uma nova maneira de fazer conta. Ou seja, parecia inofensivo, parecia inconsequente e vantajoso e todo mundo aderiu sem saber que, fazendo algo absolutamente consistente com seus próprios interesses, ia acabar fazendo funcionar o plano de estabilização. Essa era a "mágica" da URV e a maior inovação que o Real trouxe. Demorou quatro meses para transformar URV em real (a nova moeda), mas naquela primeira semana eu diria que a gente já tinha certeza de que iria funcionar.
 
Na primeira entrevista que o senhor concedeu sobre o Plano Real afirmou que iriam "entregar um cadáver a cada 24 horas". Conseguiram isso?
(Risos) Eu usei a expressão para designar a expectativa que se tinha de nós. Estávamos no começo de 1993 e havia uma expectativa curiosa, porque o Brasil estava traumatizado com pacotes e não queria nenhum pacotão que viesse mexer no bolso. Ao mesmo tempo, queriam que a gente tomasse providência com relação à inflação. Era uma expectativa meio estranha e parecia que queriam isso mesmo, que se consertasse tudo e que todo dia tinha de ter uma novidade. Não era assim. Fomos devagarzinho, trabalhando um dia de cada vez e aí passou um pouco menos de um ano até a URV ir para a rua, em março de 1994. Não foi todo o dia, mas depois de um ano a gente entregou (um cadáver).
 
Depois de 20 anos, algo poderia ter sido feito diferente?
Poderíamos ter sido mais ambiciosos nas reformas. Acho que perdemos uma enorme oportunidade com a revisão constitucional, que acabou praticamente não acontecendo. Depois deu muito trabalho para passar as emendas constitucionais, para alterar regras de previdência ou monopólio de petróleo. As reformas, no fundo, eram a parte fundamental do combate à inflação, que nunca tinham sido tratadas antes do Real. Tivemos muito cuidado.
 
Voltamos a conviver com a inflação perto do teto da meta. O índice de 6,5% ao ano preocupa?
Claro que é preocupante, porque o nosso passado deixou marcas no organismo econômico da nação. As pessoas reagem com muita velocidade à sensação de inflação e a torna um negócio vicioso, mais perigoso. A experiência de nossos vizinhos, Argentina e Venezuela, é ilustrativa do modo como se comportam algumas economias que têm tradição inflacionária: quando começam a provocar a "doença" ela vem de uma forma muito violenta. A atual é uma inflação muito mais baixa do que no passado, mas as defesas também estão muito mais baixas, então dói. Porque 6,5% representa 15% para alguns itens e 1% para outros.
 
 O Que seria preciso fazer ?
O descaminho principal ocorreu na política fiscal. É o que acaba destruindo a credibilidade da política monetária, que tem de trabalhar dobrado para compensar a coisa mal feita. Eu adoraria que o Banco Central não tivesse de subir o juro de novo. O ideal seria se a gente pudesse ter criado uma política fiscal consistente com juro baixo, isso seria o sonho. Mas não, nós fizemos a política fiscal ao contrário do que deveríamos fazer, expansionista, quase irresponsável. Com isso, o BC foi forçado a reverter a política monetária. A definição do nível de juro nunca é feita isoladamente da política fiscal, é o reflexo dela. Então a culpa do juro alto é da política fiscal.
 
E reduzir a taxa de juro (de agosto de 2011 a outubro de 2012, quando chegou ao mínimo de 7,5%) foi prematuro?
Não foi. O que houve foi que o BC tomou a iniciativa de reduzir o juro, acreditando que a política fiscal viria socorrê-lo, mas não veio. A cavalaria não apareceu para ajudar, aí o BC teve de recuar.
 
Em uma eventual vitória tucana, o senhor aceitaria um convite para voltar ao BC ou assumir a Fazenda?
Estou muito feliz onde estou, tem muita gente boa assessorando o candidato Aécio Neves. O Armínio (Fraga) é um nome excelente e (o cargo) estaria em boas mãos.

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