domingo, 22 de junho de 2014

" Gracias México "

Artigo Zero Hora

Tavares


FLÁVIO TAVARES
Jornalista e escritor
O México é minha segunda pátria, se é que existe outra, além daquela em que se nasce e se ama. Lá cheguei a 7 de setembro de 1969, na data pátria do Brasil, saído da prisão, algemado e amarrado ao assento do avião em que me expulsavam da terra natal.
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Lá me receberam como filho _ ou como órfão, pois um exilado político vive na orfandade no país que o acolhe. Pouco sabia dos mexicanos e de suas avançadas civilizações milenares. Para meu próprio espanto, o único que deles conhecia em profundidade era a seleção de futebol que disputara a Copa do Mundo no Brasil, 19 anos antes
Naquela quarta-feira 28 de junho de 1950, concluí com rapidez a prova de francês no Colégio Júlio de Castilhos para assistir ao jogo da Iugoslávia e México no campo do Internacional, no Menino Deus, num Porto Alegre tranquilo, sem tráfego desviado nem torcedores bêbados insultando mocinhas pela rua. Eu tinha recém 16 anos e a primeira Copa do Mundo após a Segunda Guerra Mundial era um chamamento à paz naquele início da “guerra fria”, em que as ideologias definiam a política. O “estádio dos eucaliptos” era o único com arquibancadas de concreto, um paredão junto à rua Silveiro e lá fui para aplaudir a Iugoslávia. Ou aplaudir o país de Josip Tito, o guerrilheiro que, após derrotar os nazistas, se rebelou (em 1948) contra o comunismo de Stalin e instituiu o “socialismo de auto-gestão”.
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Meu fervor pela Iugoslávia, porém, durou apenas 15 minutos. Daí em diante, aplaudi Carbajal, o goleiro mexicano, que voava como um pássaro multiplicado em mil, tapando o arco. Os iugoslavos aglutinavam em uma única equipe o bom futebol atual da Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia e outras nações desmembradas do núcleo original. O México recém engatinhava e, assim, o abismo era imenso. Carbajal atenuou as diferenças. Agarrava as bolas como muralha móvel mas, mesmo assim, não pôde evitar a derrota por 4 a 1.
Vinte anos depois, na inauguração da Copa de 1970, encontrei Carbajal na tribuna de honra do estádio Azteca. Eu trabalhava para a agência noticiosa italiana Ansa, cobrindo os jogos na capital mexicana, e lhe falei de 1950 em Porto Alegre:
_ Aquela cidade de rio imenso? _ indagou numa reminiscência, ainda fascinado “pelo rio que é um mar”. E que em 1950 era maior até, sem a ponte nem os aterros que vão do Gasômetro pela avenida Beira Rio.
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Na Copa de 1970, os mexicanos diziam “balonpié” (e não futebol) e os jogos começavam ao meio-dia. A tarde se reservava para o principal _ a tourada. A paixão pelo “balonpié” começou a solidificar-se quando o grito de “las porras” (a torcida) ajudou a construir os 4 a 1 do Brasil sobre a Itália, que decidiu nosso tricampeonato. Em 46 anos, a pertinácia fez os mexicanos se igualarem a “el gigante” de 1970.
Os ciclos se repetem. No amor, nas fases da Lua ou na História. Até, no futebol. O pássaro-voador, muralha-móvel, agora foi Ochoa, o audaz goleiro mexicano, preciso e rápido. Tão preciso e rápido quanto a abreviatura do nome _ 8 A. Sim, “8 A”, pois em espanhol “oito” é “ocho” e o A completa o som exato.
Se na Copa de 1950, em Porto Alegre, Carbajal foi meu herói, hoje, 64 anos depois, Ochoa é herói de todos brasileiros. Ele nos fez perder a soberba com que pensávamos ser donos absolutos de tudo. Com seus companheiros, mostrou que estávamos embriagados pela fantasia da insensatez _ tomávamos a vitória como destino manifesto. Ou como desígnio divino, exclusivo e único. Na Copa e na vida.
A seleção do México nos salvou da mentira inventada. Mostrou que o triunfo não se herda e que a humildade sobrepuja a ostentação.
Gracias, México! Obrigado por nos trazer à realidade e nos libertar da fantasia.

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