Houve um tempo em que os machos mais afortunados da nossa espécie orgulhavam-se do próprio carro como o pavão alfa da sua cauda multicolorida. O que os fazia estufar o peito convencidos do próprio esplendor era menos a potência motora do acessório – no caso dos pavões, quase nenhuma – do que sua evidente vantagem competitiva nos rituais de acasalamento.
(No esforço para seduzir a fêmea, no entanto, era comum que alguns machos exagerassem um pouco no colorido da penagem, já que um carro daqueles que parecem iluminar a conta bancária do dono como um para-choque de néon tende a despertar em algumas fêmeas a impressão de que o excesso de gorjeio pode querer disfarçar a ausência de outros atributos menos monetizáveis. )
Carros sempre sugeriram poder, força, capacidade de prover a prole – tudo aquilo que, aparentemente, o DNA feminino leva em conta, desde o tempo das savanas, na hora de selecionar um parceiro. Estacionado no local adequado ou encurtando distâncias, o automóvel ultrapassa o caráter meramente simbólico oferecendo também as condições práticas para o acasalamento: privacidade, algum conforto e trilha sonora para completar.
Dos EUA e do Japão, responsáveis pela exportação não apenas de carros, mas de todo um estilo de vida baseado no automóvel, vêm duas notícias que apontam para o primeiro solavanco sério na já centenária associação entre carros potentes e sexo rápido (ou o contrário) – e dos dois como ideais de consumo indiscutíveis da juventude desde a invenção da roda movida a combustão.
Nos EUA, surge o fenômeno do jovem que não pretende ter um carro. Alguns dizem que a Geração Y, atropelada pela crise, consegue comprar, no máximo, duas rodas – e olhe lá. Outros acreditam que, mais do que razões econômicas, o que move os novos hábitos da geração nascida a partir dos anos 80 é uma genuína mudança cultural, já que hoje é possível fazer quase tudo, inclusive trabalhar e conhecer pessoas, sem precisar sair de casa. E como essa geração parece encarar a tarefa de cuidar do planeta com mais seriedade do que seus pais e avós, poluir o ar e entupir as ruas com carros espaçosos e vazios estaria deixando de ser símbolo de status.
Do Japão, veio a notícia mais surpreendente – e uma das mais comentadas na Internet nos últimos dias. Uma reportagem publicada no último domingo no jornal britânico The Guardian, intitulada “Por que os jovens japoneses não querem mais saber de sexo?”, analisa a chamada “síndrome do celibato”. Com uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo, o Japão estaria enfrentando uma tendência demográfica inesperada: homens e mulheres com menos de 40 anos, por diferentes motivos, simplesmente estariam perdendo interesse em “relações convencionais” e suas inevitáveis (e imprevisíveis) complicações.
Estaríamos todos prestes a assistir a uma revolução sexual ao contrário? No Brasil, pelo menos, isso soa tão pouco provável quanto o transporte público tornar-se subitamente eficiente. De qualquer forma, a frase “não sei se caso ou compro uma bicicleta” parece finalmente ter ganhado um sentido.
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