Você sabe onde está o homem que tomava Coca-Cola, sozinho, nos bares do Moinhos do Vento? Não tenho visto. Quando eu saía para caminhar, nos finais de tarde, ele, que tinha se tornado um desconhecido íntimo para mim, estava sempre sentado em algum dos bares do bairro, em frente a um copo e a uma garrafa de Coca-Cola. Ao que percebi, só tomava refrigerante. Acho que não era cuba-libre ou outro drinque qualquer. Lembro que ele não parecia ter pressa alguma de beber.
Aliás, ele não bebia, bebericava, como, aliás, recomendam os manuais de etiqueta. Pessoas distintas não bebem, bebericam, mesmo Coca, a bebida símbolo do agitado way of life norte-americano. Falando nisso, o cidadão da Coca parecia uma figura do legendário norte-americano Edward Hopper, o pintor da “solidão americana”, que deixou muitas imagens onde estavam seres sozinhos, em hotéis, escritórios, calçadas, bares e outros locais.
Nunca abordei o desconhecido íntimo para alguma conversa e nunca o vi acompanhado de algo ou alguém além da Coca-Cola. Ele tem aparência normal, cabelos grisalhos, nem magro nem gordo, roupas comuns, estatura possivelmente mediana ou, talvez, seja baixinho. Sua presença sempre aguçou minha curiosidade, mas preferi não ser invasivo e nem mesmo fui perguntar aos garçons sobre quem era o objeto-sujeito de minha observação. Preferi deixar seguir o mistério sobre aquele homem aparentemente comum, que pousava olhares neutros sobre a paisagem, a Coca-Cola e as pessoas do entorno.
Ele parecia pedir que não interrompessem seu diálogo mudo com o refri e dizia com o olhar que precisava de um tempo para ficar pensando em alguns assuntos ou, quem sabe em nenhum, ficar pensando em nada, consciência pura , quem sabe a verdadeira felicidade. Se encontrar novamente o desconhecido íntimo talvez puxe conversa, tente ser seu amigo e descubra o que há por trás daquele rosto, aparentemente impassível.
Se não o reencontrar, fica o mistério, que talvez seja mistério nenhum ou apenas o mistério de eu estar pensando nessas coisas comuns, sobre uma pessoa que não é comum. Nenhum de nós é comum. “De perto ninguém é normal”, disse Caetano. Nem de longe, talvez, digo eu, que gosto de assistir ao espetáculo infinito que os seres humanos e inanimados proporcionam todos os dias para quem tem tempo e vontade de ver.
O homem da Coca-Cola é um dos nossos. Quem sabe é sozinho, mas não solitário. Quem sabe seu olhar é de encontro e não de despedida. Quem sabe agora, em algum lugar, ele toma cuba-libre ou só a coca e sorri, mesmo só para o ar e para si mesmo.
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