Você é a favor ou contra cortarem árvores para alargar uma rua? A favor ou contra derrubarem uma casa para construir um edifício? Devem ser reabertos os arquivos da ditadura? Proibidas as máscaras nos protestos? Publicadas biografias não autorizadas?
A arena de debates públicos foi ampliada virtualmente ao infinito pela capilaridade das redes sociais. Pode parecer apenas mais uma discussão banal sobre um aumento de 20 centavos nas passagens, mas por trás de toda polêmica que exalta ânimos e inflama espíritos há um conflito de visões de mundo, um choque tectônico de ideias. Quase nunca é só pelos 20 centavos.
Como nem sempre são evidentes todos os aspectos envolvidos em um debate – e como poucas pessoas entendem de todos os assuntos, tirando Leonardo Da Vinci e aquele seu amigo que dá palpite sobre tudo – é comum que fiquemos atentos à maneira como diferentes pessoas em quem confiamos se posicionam antes de formarmos a nossa própria opinião. O conceito de formador de opinião, porém, mudou muito nos últimos anos. Hoje há formadores de opinião por todos os lados, para onde você olhar, e talvez por isso mesmo seja cada vez mais difícil escolher a quem vale a pena ouvir
Na busca da iluminação cotidiana, gosto de prestar atenção em quem entende do riscado: arquitetos para falar de arquitetura, médicos para falar de medicina, juristas para falar de leis. Mas não basta entender do assunto. Para conquistar o meu respeito, é preciso conseguir construir argumentos que voem além dos interesses da sua categoria. Médicos a favor do Mais Médicos, jornalistas contra o diploma de jornalismo, empresários dispostos a perder algum dinheiro: pode-se concordar ou não com eles, mas ganham um crédito adicional de confiança por pensarem com a cabeça e não com o bolso ou o coração.
Quero que o formador de opinião seja coerente, mas se for dizer algo desatinadamente oposto ao que disse antes, que reconheça isso, com humildade, porque mudar de opinião, às vezes, é um sinal de inteligência e integridade.
Quero ler opiniões que me surpreendam de vez em quando, porque o pensador independente não se torna refém de inclinações políticas ou ideológicas – e nada é mais triste do que ver pessoas inteligentes esforçando-se para tornar plausível um pensamento torto apenas para justificar uma ideologia ou um interesse particular. Ainda assim, quero o conforto de saber que certas pessoas têm a capacidade de iluminar os caminhos mais tortuosos, invariavelmente apontando para a trilha do que é justo, honesto, honrado, coerente.
A polêmica desta semana envolvendo o grupo de artistas que defende restrições às biografias não autorizadas talvez seja lembrada menos pelo assunto em si do que pelo fato de ter colocado sob fogo cerrado dois dos nomes mais emblemáticos da cultura brasileira.
Não me importa que Caetano e Chico tenham opiniões diferentes das minhas – muitas vezes tiveram, inclusive politicamente. O que é triste é ver que emprestaram seu prestígio não a um princípio ou a uma causa maior do que eles, mas a interesses restritos ao seu cercadinho. Pois, levado ao limite, o raciocínio da proteção à privacidade torna impossível publicar qualquer coisa que contrarie o interesse de qualquer pessoa – o que, vamos combinar, é muito parecido com censura.
O mais irônico é que justamente esse gesto pode vir ser a nota mais embaraçosa das biografias dos dois – quando, “apesar de você”, elas forem escritas. E serão.
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