quarta-feira, 23 de outubro de 2013

" Chega de shopping " << Raquel Rolnik * >>


                          
No ano passado, a inauguração do shopping JK Iguatemi, na Vila Olímpia, foi vetada pela Justiça porque as obras viárias exigidas pela prefeitura quando da aprovação do projeto não tinham sido concluídas.
< isso é Brasil >

                       < costanera shopping santiago Chile >
 
Recentemente, uma decisão judicial determinou que um shopping que está sendo construído na avenida Paulista, com inauguração prevista para o segundo semestre de 2014, não poderá funcionar sem que sejam realizadas obras para mitigar seus impactos na região.
 
Há pouco tempo, também, a imprensa noticiou o início das obras de um megaempreendimento na zona sul, que inclui torres residenciais e comerciais, hotel e… mais um shopping.
 

Para além da guerra jurídico-administrativa em torno dessa questão, a pergunta que não quer calar é: São Paulo quer e precisa de mais shoppings?

A cidade tem, de acordo com a prefeitura, 44 shoppings. Eles podem ser construídos em qualquer região que permita uso comercial.

Mas hoje, como são considerados “polos geradores de tráfego”, a aprovação dos projetos requer uma avaliação específica por parte da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), que pode exigir contrapartidas para mitigar impactos no trânsito, como a construção de passarelas, o alargamento de vias etc.

Mas quem vive próximo ou precisa passar diariamente por algum desses empreendimentos, mesmo com suas obras mitigadoras, comprova a tese de que nesses locais o trânsito e a mobilidade… pioram! Quem se lembra dos dias felizes da avenida Pompeia antes da ampliação do shopping Bourbon?

Com raras exceções, a lógica dos shoppings é a do modelo de mobilidade por automóvel: chegar de carro, deixá-lo em um estacionamento e usufruir de um espaço que concentra opções de compras, serviços, gastronomia e atividades culturais.

A não cidade, fingindo ser cidade, segregada: com raríssimas exceções, os shoppings simplesmente destroem a continuidade do tecido urbano, descaracterizando e matando as ruas ao redor.

Em princípio, a legislação urbana reconhece e acolhe esse modelo, e apenas exige a ampliação do espaço de circulação dos automóveis.

Mas, se São Paulo quer hoje migrar para um novo modelo de mobilidade, baseado no transporte coletivo e em modos não motorizados–pés e bicicletas–, podemos continuar construindo shoppings?
Em Manhattan, Nova York, região de alta densidade residencial e comercial, os shoppings são simplesmente proibidos. No zoneamento da cidade, em áreas mistas –de comércio e residências– que correspondem à maior parte das áreas da ilha, as zonas comerciais estão demarcadas para ocuparem apenas a primeira faixa das quadras, com profundidade máxima que varia entre 30 e 60 metros. Ainda assim, não podem ocupar toda a frente das quadras.

A implicação dessa limitação não é somente urbanística. Restringindo o tamanho máximo de espaço comercial em boa parte da cidade, Nova York protege os pequenos comerciantes e controla o quanto o comércio pode tomar conta de áreas residenciais.

Estamos em plena revisão do plano diretor e zoneamento da cidade de São Paulo, momento mais que propício para rediscutirmos o modelo de cidade que queremos.

Em nome das ruas, da multiplicidade de pequenos comércios, da cidade que quer se mover a pé, de bicicleta e por transporte coletivo, chega de shopping!
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* Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.
** Publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo e retirado do site Mercado Ético.

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