“O genocídio não é uma opção”: a filósofa judia que se tornou a inimiga número 1 de Israel
Kiko
Nogueira*
Judith Butler já foi chamada de
praticamente tudo — idiota útil, sapatona desesperada por atenção, apoiadora do
terrorismo. Mas a ofensa clássica é “self hating jew” (judia que se
odeia).
Americana de origem judaica, ex-professora de
Retórica e Literatura Comparada na Universidade de Berkeley, na Califórnia,
autora de vários livros, feminista, antisionista, ela é inimiga pública da
direita israelense por sua crítica da política de Israel no Oriente Médio e por
ser vista como uma traidora.
Judith é integrante do movimento Boycott,
Divestment and Sanctions (Boicote, Desinvestimento e Sanções). Há dois anos,
ganhou o prestigiado prêmio Theodor W. Adorno e apanhou pesado. O jornal
“Jerusalem Post” — o mesmo que publicou a entrevista com o ministro das relações
exteriores de Israel classificando o Brasil de anão diplomático — deu um artigo
assinado por intelectuais e políticos chamando-a, entre outras gentilezas, de
antissemita.
Foi acusada também de defender o Hamas e o
Hezbollah numa palestra — o que ela nega. Suas palestras nos EUA costumam acabar
em confusão por causa de protestos.
Butler, cuja família do lado materno morreu num
campo de concentração na Hungria, responde que é “doloroso alguém argumentar que
quem formula críticas ao Estado de Israel seja antissemita ou, se judeu,
autodesprezado.”
Em 2012, ela lançou “Parting Ways: Jewishness
and the Critique of Zionism” (“Caminhos Partidos: Judaísmo e Crítica do
Sionismo”), em que defendeu o binacionalismo em Israel. Para ela, a relação com
o outro está no coração do que significa ser judeu: “Qualquer coabitação genuína
necessita de uma mudança pessoal e social no tratamento de populações
marginalizadas”, diz.
Sem romantismo, porém. “As pessoas que esperam
que inimizade se transforme em amor de repente estão, provavelmente, usando o
modelo errado. Vivermos uns com os outros pode ser infeliz, miserável,
ambivalente, cheio até de antagonismo, mas não se pode recorrer à expulsão ou ao
genocídio. Essa é a nossa obrigação.”
Em suas palestras, ela enfatiza o desconforto
de ser uma judia que não se sente representada pelo estado de Israel. “Alguns
políticos israelenses têm proposto a transferência de palestinos para fora do
que é atualmente chamado Israel, para a Jordânia ou outros países árabes,
segundo a idéia de que não haveria miscigenação de palestinos e judeus
israelenses ou palestinos e comunidades judaicas”, afirma.
“Mas a segregação absoluta eu acho lamentável.
Da mesma forma, há aquele famoso apelo do Hamas para empurrar os israelenses no
mar. Agora, eu diria que a maioria dos políticos palestinos acreditam que não é
isso que eles querem, e mesmo dentro do Hamas há alguma discussão sobre essa
afirmação. Até que ela seja removida isso ainda será nocivo”.
“Acho que o que Hannah Arendt quis dizer quando
falou que ‘não podemos escolher com quem convivemos no mundo’ é que todos
aqueles que habitam o mundo têm o direito de estar aqui, em virtude de já
estarem aqui. O ponto dela é que o genocídio não é uma opção legítima. Não é ok
decidir que uma população inteira não tem o direito de viver no mundo. Não
importa se essas relações são muito próximas ou muito distantes, não há direito
de expurgar uma população ou rebaixar sua humanidade básica.”
Em sua opinião, existe uma saída em Israel.
“Primeiro, é preciso estabelecer uma base constitucional sólida para a igualdade
de todos os cidadãos, independentemente de qual possa ser que a sua religião,
sua etnia ou raça”.
Depois, “é preciso acabar com a ocupação, que é
ilegal e uma extensão de um projeto colonial”. Finalmente, ela propõe o direito
de retorno, segundo o qual os palestinos sejam indenizados ou retornem, não
necessariamente para as casas em que moravam”.
Judith Butler admite que talvez proponha uma
utopia. Mas essa á função da filosofia: “Elevar os princípios que parecem
impossíveis, ou que têm o status de impossíveis, insistir neles e reforçá-los,
mesmo quando parece altamente improváveis. O que aconteceria se vivêssemos num
mundo em que ninguém fizesse isso? Seria um mundo mais pobre”.
---------------------------
* Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo.
Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor
da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro
Rodas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário