domingo, 27 de julho de 2014

" As provocações deixam as pessoas animadas "

Palavra de médico

J.J. Camargo

J.J. Camargo: "As provocações deixam as pessoas animadas" Edu Oliveira/Arte ZH
Foto: Edu Oliveira / Arte ZH
A Clinica Bambina, famoso centro de Oncologia do Rio, reúne anualmente experts das mais diversas áreas para discutir as novidades do último ano.
 
É sempre um encontro estimulante, produtivo, e fraternal. Os especialistas convidados, em geral se gostam, o que contribui para que a reunião seja também leve e bem humorada, apesar da aspereza do tema.
 
Um notável cirurgião paulista mostrava os progressos de sua especialidade, a proctologia, e quando abordou as vantagens do uso da videocirurgia, fez um comentário que provocou muitos risos: "Além da menor agressividade deste procedimento, um grande benefício desta técnica é o rápido retorno dos pacientes às suas atividades normais, o que em geral ocorre uma semana depois de terem operado um câncer, o que no passado demandaria semanas de recuperação. A única exceção, nestes anos todos, foi um paciente, de um Estado que prefiro não identificar, que por ocasião da alta, me pediu: "Mas tchê, não me consegues uma licença de um mês para que eu me recupere completamente?"
 
Muitas risadas no auditório. As provocações fazem isso, deixam as pessoas animadas.
 
Como estávamos discutindo câncer de baixo para cima, uma hora depois chegamos ao tórax e um rol de avanços foram apresentados, tanto no estadiamento quanto na terapêutica do câncer de pulmão, uma doença que continua acometendo mais de 120.000 brasileiros por ano.
Também no tórax a videocirurgia avançou muito, e uma parte cada vez mais significativa das cirurgias oncológicas são feitas com o auxílio desta técnica inovadora.
 
As benesses eram praticamente as mesmas: menos dor, internações mais curtas, menor tempo de recuperação. Para retribuir a provocação, deixei como diferença a pressa em voltar a trabalhar:
"Naquele Estado em que as pessoas falam tchê, não contamos como grande vantagem o retorno imediato ao trabalho. Talvez porque consideremos que alguém que teve a vida sacudida pelo diagnóstico de uma doença tão estigmatizante, mereça um tempo para rever os seus valores, conviver com sua família, visitar os amigos que torceram por ele, e quem sabe viajar àqueles lugares maravilhosos que foram negligenciados durante os longos anos em que ele considerou que interromper o trabalho, era parar de viver.
 
Muitos, depois dessa reciclagem, decidem voltar ao batente, porque admitem que isso lhes traz felicidade. Quando é assim, não nos opomos".
 
A resposta tinha sido boa, mas as risadas que encheram o salão, persistiram por um tempo maior do que o razoável. Foi quando percebi que havia ali um efeito atávico: nada diverte mais um público carioca do que ver um paulista tripudiado.
 
E eu, por oportunismo abençoado, tinha pego uma carona naquele ranço histórico.

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