Paulo
Nogueira*
Me
chamou a atenção uma frase de Ariano Suassuna muito usada nos tributos para
ele.
O tema é a morte.
“A gente se porta a vida toda como se nunca
fosse morrer, o que é muito bom. Porque se a gente for pensar na morte como uma
coisa fundamental, inevitável e próxima, a gente vai perder o gosto de
viver.”
Discordo. Amplamente. Completamente.
Incondicionalmente.
O que os maiores filósofos disseram, a este
respeito, é o oposto. Nisso concordaram sábios ocidentais e orientais.
Os romanos tinham até um provérbio, ainda hoje
lembrado. “Memento mori”. Lembre-se de que vai morrer, esta a tradução.
Longe de ser algo mórbido, pensar na morte
ajuda você a lidar melhor com ela, a vê-la como algo natural.
A lógica é que, vencido o terror da morte, você
vive melhor. Viver sem o pavor da morte é viver uma vida plena.
Uma hora o fim chega, e é inevitável, mas até
lá você viverá como se deve. Desfrutará as coisas boas que a vida pode oferecer
– sem ser paralisado pelo terror da morte.
“Meu maior medo é ter medo”, escreveu
Montaigne. E o maior medo nosso é, exatamente, morrer.
Montaigne via na morte o fator que determina a
estatura de um homem. A coragem em enfrentá-la, segundo ele, é que eleva alguém
à condição de inspiração, exemplo, referência.
Ele citava Sêneca. Condenado à morte por Nero,
de quem fora preceptor e conselheiro antes que ele enlouquecesse, Sêneca
confortou as pessoas que o amavam, desesperadas com seu fim.
Ele foi obrigado a se suicidar. Cortou os
pulsos e, enquanto o sangue se ia, consolou com exortações de profunda sabedoria
a família e os discípulos.
Numa carta que escrevera a um de seus
seguidores, Sêneca se debruçara sobre a morte. Seu conselho era exatamente o
contido no provérbio romano “memento mori”.
“E por mais que te espantes, aprender a viver
não é mais que aprender a morrer”, disse Sêneca.
É uma frase de 2 000 anos, e ainda hoje é
largamente rememorada e citada.
Milarepa, um sábio oriental, tinha por perto
uma caveira, para não esquecer que ia morrer. Milarepa morava perto de um
cemitério, pelo mesmo motivo.
No Ocidente, os ensinamentos dos mestres
antigos sobre como lidar com a morte acabaram sendo ignorados.
Fingimos que a morte não existe. Fugimos da
ideia não só dela, mas de tudo que remeta ao final. Muitos de nós não suportamos
sequer ir a um hospital.
Cultivamos a ilusão de que a vida é uma festa,
uma eterna festa, na qual não há perda nem dor nem nada de ruim.
Ao suprimir o pensamento da morte, acabamos
dando a ela, paradoxalmente, uma dimensão muito maior do que o razoável.
O resultado é sofrimento em doses copiosas.
Medo, medo e ainda medo a cada instante.
Suassuna, neste capítulo, não poderia estar
mais equivocado.
Os romanos, como em tantas coisas, não poderiam
estar mais certos: memento mori.
Lembre-se de que vai morrer. E viva
plenamente.
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* O
jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e
análises Diário do Centro do Mundo.
Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-morte-e-a-morte-de-ariano-suassuna/
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