Publicamos aqui, como resposta, a opinião do sociólogo da religião Tim Hutchings, membro do CODEC, uma iniciativa de pesquisa para o estudo da comunicação cristã na era digital do St John's College, em Durham, no Reino Unido. O artigo foi publicado no sítio Big Bible Project, 17-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
[ Eis o texto. ]
Uma Igreja online é realmente uma Igreja? Bem, a resposta de Ed é principalmente não. Cada Igreja deveria ter uma presença online, diz ele, mas elas deveriam usar essa presença para levar as pessoas para longe de "estarem sozinhas na frente da tela" e rumo a "estarem em comunidade com os outros".
Eu gosto de Igrejas online – tenho estudado, escrito e vivido com Igrejas online por muitos anos, como acadêmico e participante. Então, como é que alguém como Ed Stetzer – pastor norte-americano, implantador de Igrejas, presidente de uma empresa de pesquisa, professor visitante em missiologia em dois seminários diferentes – pode ser tão hostil sobre elas?
Ed é, ele mesmo nos assegura, um grande fã da internet:
"Se uma Igreja não estiver online, então ela não está se envolvendo com a cultura. A Igreja precisa estar onde as pessoas se reúnem, e elas estão online e em sites de mídia social."
Devemos fazer uma pausa aqui por um momento. Esse é um terrível ponto de partida para qualquer teologia sobre a internet. Muitas pessoas passam muito tempo online, mas as pessoas com acesso à internet não são "a cultura". Toda Igreja precisa descobrir para qual cultura está ministrando, e isso não significa que toda Igreja deva se comunicar às mesmas pessoas da mesma forma. Essa é uma questão sobre a qual alguns de vocês podem discordar de mim!
Continuando, chegamos ao argumento real. Ed Stetzer pensa que a Igreja online é ruim porque se destina a substituir a Igreja local, e, se as pessoas deixarem de ir à sua Igreja local, elas podem acabar deixando de entender o que a "Igreja" realmente é: "uma reunião de crentes sob o domínio de Jesus Cristo, que pratica duas ordens: procura fazer avançar o Seu reino e considera cada um responsável nessa aliança". A Eucaristia está disponível nas Igrejas online, mas "é melhor se feita na comunidade física". Precisamos de Igrejas em que a "mídia social reforça a comunidade ao invés de evitá-la".
Oh, rapaz. Por onde podemos começar?
A minha abordagem em um debate como esse é sempre olhar para o que as pessoas reais estão realmente fazendo. Alguns de vocês podem preferir começar por verificar as referências bíblicas de Stetzer (2Jo 12, se vocês estão se perguntando), mas eu estou mais interessado em saber se as pessoas realmente se comportam da forma como Stetzer diz que elas se comportam. Não adianta usar a Bíblia e a teologia para criticar uma cultura se você não tomou tempo para descobrir o que essa cultura realmente é.
Clint Schnekloth faz uma observação semelhante no seu novo livro Mediating Faith, uma teologia da internet escrita para um público cristão, mas baseada em pesquisa acadêmica. De acordo com Clint, "a teologia, em certo grau, é etnografia (...) a etnografia pode ser uma excelente teologia cristã". A etnografia é o estudo das pessoas, passando tempo com elas, compartilhando as suas atividades e conversando com elas. Clint argumenta que é assim que devemos começar o nosso estudo teológico da internet. A única maneira de entender as Igrejas online é através da "imersão no contexto real do mundo virtual, a fim de aprender a linguagem, participar e ser mediado por ele. Dessa forma, a teologia pode ser um exercício em uma experiência realmente etnográfica do virtual, ao invés de uma conversa virtual sobre o virtual que alguém assume como real".
Para mim, a crítica de Ed Stetzer sobre as Igrejas online mostra uma ausência de etnografia. Não se pode perceber nesse artigo que Stetzer tenha se preocupado em passar algum tempo nas Igrejas online, conversando com as pessoas que as usam e descobrindo o que elas fazem e por quê. Ele não parece estar ciente da diversidade de Igrejas online (como a LifeChurch.tv, St Pixels, i-church e a Cathedral of Second Life), ou a diversidade de razões para usá-las. Como resultado, Stetzer acaba escrevendo sobre "o virtual que ele assume como real" e não vê o que realmente está acontecendo.
Stetzer admite três motivações para ir à Igreja online: "evitar o tráfego", "doença" ou "estar em um país onde o evangelho é perseguido". Mas ele acha que esses são casos excepcionais. As pessoas que vão à Igreja online podem citar essas razões, mas o que elas realmente estão fazendo é "evitar (intencionalmente ou não) a comunidade real". Talvez esses sejam motivos para alguns – a doença certamente é –, mas os fiéis com quem eu conversei estão muito mais interessados em explorar novas formas de culto, em ouvir uma boa pregação e em encontrar oportunidades para serem criativos ao servir os outros.
Os motivos mais comuns que ouvi na minha pesquisa estavam realmente baseados em relacionamentos e comunidade. No ambiente online, as pessoas podem rezar juntas, discutir teologia, conhecer fiéis de todo o mundo, discutir suas vidas, partilhar suas preocupações e apoiar umas às outras, durante todo o dia, todos os dias, e essas são oportunidades que muitas Igrejas físicas realmente não oferecem.
Stetzer assume que as Igrejas online são uma ameaça para as Igrejas locais, uma substituição, mas na minha pesquisa eu encontrei muito, muito poucas pessoas realmente agindo dessa forma. Quase todos com quem falei já estavam participando de uma Igreja local e não precisavam de ninguém para conduzi-los à comunidade local. Eles já estavam lá, obrigado. Eles estavam participando de forma online porque a comunidade online acrescentava novas dimensões para as suas vidas e para a fé. Se as pessoas deixaram de frequentar uma Igreja local, elas tiveram razões fortes, geralmente doença ou abuso – não eram pessoas que poderiam participar de uma Igreja local neste presente momento e elas certamente não tinham começado a participar de forma online só porque são preguiçosas.
O artigo de Stetzer também tenta comparar a Igreja online com uma visão idealizada e não realística da Igreja local. Precisamos partilhar a Eucaristia em uma comunidade física, diz ele, porque há mais alegria em uma conversa face a face do que em escrever cartas, de acordo com a Bíblia, e também porque, no seu grupo de oração, as pessoas choram muito e se abraçam. Ok, mas chorar e abraçar não são coisas que acontecem durante a Eucaristia em qualquer Igreja que eu já tenha participado, e uma comunidade online não tem muito em comum com o envio de uma carta há dois mil anos. Para muitas pessoas, participar de uma Igreja local não é assim de forma alguma.
Então, pense nisso como um argumento mal-humorado em defesa da teologia etnográfica. Não despreze as pessoas que você não entende, nem idealize a sua própria comunidade de tal forma que não possa ver os seus defeitos. Se você quiser dizer alguma coisa sobre o mundo, vá viver no mundo por um tempo, com seus olhos abertos, descubra o que as pessoas realmente fazem e com o que elas se preocupam e por quê. E, quando você estiver escrevendo teologia, prove para o seu leitor que as suas ideias têm algum fundamento na experiência real.
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Fonte: IHU online
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