Cética, nossa analista em mídias sociais participou de uma Tenda do Suor, um ritual que promete tocar nossa alma de
Adriana Rossatti
“Morri e renasci.” Foi assim que minha amiga Evelyn descreveu sua experiência de purificação na Tenda do Suor. Ela mudou para o Rio de Janeiro há dois anos e lá encontrou no xamanismo, que acabou adotando como estilo de vida. Eu sempre estou em busca de formas de auto-conhecimento, gosto de experimentar situações que desafiem minha zona de conforto e resolvi também tentar o ritual. Ver o que de tão incrível ele poderia me trazer.
Cheguei meio atrapalhada em um sábado na Casa Tebekato, uma chácara no Alto da Boa Vista cercada de Mata Atlântica. Era um dia especial porque estavam recebendo a visita de um grande xamã americano, o Denis Banks. Denis é como o "Martin Luther King dos índios". Fez passeatas, foi preso e lutou incansavelmente pelos direitos civis da população indígena nos EUA, e é uma das vozes mais respeitadas dentro da comunidade xamânica mundial. Era ele quem ia liderar a Tenda do Suor naquela tarde. Senti-me privilegiada. Estava caindo de paraquedas ali, com um lugar na janelinha.
Fui recebida pelo Tony Paixão e pelo Lino Py com muito carinho e sorrisos. Eles são líderes do Caminho Vermelho no Rio, que segue a Tradição Cheyenne. Desde 1995 eles praticam os rituais da tradição no Brasil, e contam como cada vez mais pessoas procuram o xamanismo como opção de caminho de autoconhecimento e estilo de vida. Explicam que o xamanismo - ou o Caminho Nativo, como preferem chamar - é mais que uma religião. As pessoas queseguem a tradição estão buscando uma conexão maior com a natureza, um resgate de si mesmos. Eles acreditam que os quatro elementos da Terra são uma síntese do Grande Espírito, e tudo que foi criado por ele, tudo com o qual nos relacionamos, possui vida, possui o que chamam de Wakan (energia espiritual). Respeitar essa energia em todas as coisas vivas nos ajuda a resgatar nossa essência, nosso Wakan. Depois de cantos e ensinamentos em roda, descemos para o quintal gramado no fundo da casa onde a tenda estava montada e uma fogueira já aquecia as pedras desde a manhã.
Pedras quentes
A Tenda do Suor é uma espécie de sauna primitiva, um ritual de purificação muito tradicional dentro do Caminho Nativo. Trata-se de uma estrutura feita de madeira, em formato de oca, fechada por cobertores e lonas, com um grande buraco na terra feito ao centro. Nela, ao longo de um ritual dividido em quatro partes, pedras quentes são introduzidas em etapas representando os quatro pontos cardeais e quatro campos de trabalho de nosso ser (espiritual, mental, emocional e físico). Os participantes sentam-se em volta do buraco, enquanto o xamã inicia as rezas e cantos, ordenando a entrada das pedras e elevando a temperatura da tenda a cerca de 80 graus. Jogam-se punhados de ervas, como sálvia, e em seguida um pouco de água, produzindo vapor. Terra, água, fogo e ar juntos, trazendo a presença do Grande Espírito para que, como canto, a reza e a vivência, os participantes possam liberar traumas desta e de outras vidas e aprender a dominá-los. O ritual dura duas horas.
Tony diz que a tenda é uma lente de aumento e um espelho do mundo e de nós. Eu já estava sentindo os primeiros sintomas parada na porta. Aquilo tudo parecia bem maior do que eu tinha imaginado. Minha mente começou a prever desmaios e crises de asma naquele ambiente. Um medo enorme de não aguentar. Na verdade, o que mais me apavorava era que tipo de trauma eu confrontaria lá dentro. Joguei uma oferenda de fumo na fogueira e desejei quesó me enviassem o que eu fosse capaz de aguentar. Entrei ajoelhada na esteira, procurei um lugar que me pareceu confortável e sentei de pernas cruzadas tentando fazer o ar mais casual possível.
Um de meus maiores defeitos é que não sou muito fã de gente. Tento trabalhar minhas habilidades e consegui desenvolver ferramentas de convívio social eficientes ao longo da vida. Quem não me conhece de verdade pode jurar que sou uma pessoa expansiva e sociável. Na verdade, adoro a solidão e tenho pavor de aglomerações de pessoas. Mas lá estava eu, apinhada com outros 39 estranhos, respirando, olhando e tocando em mim. Minha cricri interior pulou em guarda, de armas em punho e dentes à mostra, e fiquei irritada. Eu me irritava com tudo. Eu me irritava porque as pessoas se mexiam, falavam, tossiam, cantavam, esbarravam, existiam. Cada um de nós tinha um instrumento em mãos, e seguíamos o ritmo do xamã tocando e cantando. Eu batia o chocalho contra a palma da minha mão esquerda e tentava manter a calma.
Assim que a porta da tenda se abriu e a primeira pedra em brasa entrou, desejei a morte de várias pessoas. Sei que isso não é uma coisa muito legal de se dizer, mas o que eu posso fazer?!? Tinha um lado meu bem feio aflorando ali. Era só o começo. Ao longo do ritual, outras 60 pedras iam entrar. Isso mesmo. Sessenta pedras quentes, incandescentes, fumegando, entrando pela tenda escura e abafada. Xinguei. Mentalmente, mas xinguei. Em seguida, comecei a suar em bicas, descontroladamente. Não existia mais zona de conforto.
Pedir para sair
Nesse ponto, eu não conseguia pensar em nada. Só xingava mentalmente. Xingava e reclamava. As pessoas esbarravam em mim, minha perna doía. O ar tomava o rosto e eu repetia: "É só ar quente, Adriana. É só ar quente". Algumas pessoas não aguentavam a sensação de claustrofobia e pediam para sair. Comecei a desejar que todas as pessoas pedissem para sair, para que eu pudesse ficar sozinha. Eu queria controlar minha purificação. Senti gotas de suor pingando no meu pé. Me deu uma aflição horrível, já que eu não sabia de onde vinha aquele suor. Olhei para uma menina que estava ao meu lado: ela parecia estar em um transe alucinante, e eu senti um pouco de inveja disso. Comecei a achar que era o suor dela pingando em mim e achei aquilo meio nojento. Então me dei conta de que o suor era meu. Senti um nojo maior ainda do meu próprio suor. Então me lembrei da Evelyn contando que a tenda era um confronto com nosso ego. Era isso! Era meu ego cheio de manias, controlador, histérico, ranzinza, rabugento até. E tive a prova irrefutável: meu ego era baita chato!
Só havia duas coisas que eu podia fazer: emburrar de vez, desistir e culpar omundo por não atender à ordem e às expectativas do meu ego cricri; ou aceitar aquela experiência e me entregar ao que ela pudesse me oferecer. Fiquei com a segunda opção e resolvi aceitar meu ego chato, do jeito que ele era. E aceitar o caos da tenda, do jeito que ele era. "Cante, reze, entregue-se. A cura irá aonde você precisar", eram as palavras do Tony quando nos orientou. Eu comecei a cantar. Comecei a balançar o chocalho. Cantei no escuro. Só que quando me dei conta, eu estava cantando músicas dos Beatles. Porque na minha cabeça estava tocando Beatles.
Fui cantando "She's leaving home" baixinho, meio sussurrado para o meu ego chato. Fui me abaixando, me deixando levar. Aceitando que meu corpo inteiro estava molhado. Deitando entre as pernas dos meus companheiros de tenda.O calor já não era tão insuportável. A respiração estava natural, simples. As pedras vermelhas não paravam de entrar, mas eu tinha alcançado um platô. Fui me abaixando, me enroscando no chocalho, até me encontrar em posição fetal. No útero da minha mãe. Lembrei-me de quando eu era um bebê e não queria nascer. Havia algo hostil no mundo que me fazia chorar de verdade nochão da tenda. Um choro meio calado, que não saía. Eu sabia que não me queriam ali. Eu não queria nascer porque eu não tinha sido desejada.
Pausa. Este é um daqueles momentos em que minha cética cricri interior para e diz: "Ah! Fala sério!" Não vou dizer que tive uma alucinação, porque é mentira. Eu tinha plena consciência de onde estava. Mas a lembrança veio carregada de todos os sentimentos, texturas e sons. Eu sentia o útero da minha mãe. A textura das paredes. O barulho da água. Eu sempre soube queminha vinda não foi planejada. Meus pais já tinham duas meninas. Quando minha mãe engravidou, meu pai tinha certeza de que era um menino. Nocartão de lembrança da maternidade ele me apelidou de "medonha". Eu era um serzinho branquelo e ruivo.
Batismo
A tenda me colocou de volta no útero e eu tinha medo de nascer. Não queria enfrentar esse mundo onde eu era errada, medonha, mulher e pouco desejada. Mas a luz da porta da tenda se abriu pela última vez. Me empurravam para sair. Eu nasci um dia, e passei a ser muito amada depois. Ainda assim, passei a vida com a sensação de "não ter sido convidada", tentando compensar o fato de ser menina.
Saí da tenda, engatinhando com as pernas dormentes, incomodada pela queda brusca de temperatura e cegada pela luz do dia. Fiquei em pé, querendo muitoque alguém me abraçasse. Entrei na piscina de água natural ao lado. Mergulhei três vezes. Tirei o suor da humanidade inteira que me ensopava. Batizei. Depois fui até a frente da fogueira, agradeci e disse para mim mesma: É isso aí! Talvez não me quisessem aqui, mas eu estou aqui. Talvez não me quisessem assim, mas é o que eu sou. Assim como meu ego cricri e todo oresto do caos desse mundo. Vou aceitar esta vida do jeito que ela é. Olhei para a Evelyn, que me esperava do lado de fora. Entendi. Morri. Renasci.
Adriana Rossatti é analista em redes sociais e estreou seu primeiro texto em Vida Simples há pouco tempo.
Cheguei meio atrapalhada em um sábado na Casa Tebekato, uma chácara no Alto da Boa Vista cercada de Mata Atlântica. Era um dia especial porque estavam recebendo a visita de um grande xamã americano, o Denis Banks. Denis é como o "Martin Luther King dos índios". Fez passeatas, foi preso e lutou incansavelmente pelos direitos civis da população indígena nos EUA, e é uma das vozes mais respeitadas dentro da comunidade xamânica mundial. Era ele quem ia liderar a Tenda do Suor naquela tarde. Senti-me privilegiada. Estava caindo de paraquedas ali, com um lugar na janelinha.
Fui recebida pelo Tony Paixão e pelo Lino Py com muito carinho e sorrisos. Eles são líderes do Caminho Vermelho no Rio, que segue a Tradição Cheyenne. Desde 1995 eles praticam os rituais da tradição no Brasil, e contam como cada vez mais pessoas procuram o xamanismo como opção de caminho de autoconhecimento e estilo de vida. Explicam que o xamanismo - ou o Caminho Nativo, como preferem chamar - é mais que uma religião. As pessoas queseguem a tradição estão buscando uma conexão maior com a natureza, um resgate de si mesmos. Eles acreditam que os quatro elementos da Terra são uma síntese do Grande Espírito, e tudo que foi criado por ele, tudo com o qual nos relacionamos, possui vida, possui o que chamam de Wakan (energia espiritual). Respeitar essa energia em todas as coisas vivas nos ajuda a resgatar nossa essência, nosso Wakan. Depois de cantos e ensinamentos em roda, descemos para o quintal gramado no fundo da casa onde a tenda estava montada e uma fogueira já aquecia as pedras desde a manhã.
Pedras quentes
A Tenda do Suor é uma espécie de sauna primitiva, um ritual de purificação muito tradicional dentro do Caminho Nativo. Trata-se de uma estrutura feita de madeira, em formato de oca, fechada por cobertores e lonas, com um grande buraco na terra feito ao centro. Nela, ao longo de um ritual dividido em quatro partes, pedras quentes são introduzidas em etapas representando os quatro pontos cardeais e quatro campos de trabalho de nosso ser (espiritual, mental, emocional e físico). Os participantes sentam-se em volta do buraco, enquanto o xamã inicia as rezas e cantos, ordenando a entrada das pedras e elevando a temperatura da tenda a cerca de 80 graus. Jogam-se punhados de ervas, como sálvia, e em seguida um pouco de água, produzindo vapor. Terra, água, fogo e ar juntos, trazendo a presença do Grande Espírito para que, como canto, a reza e a vivência, os participantes possam liberar traumas desta e de outras vidas e aprender a dominá-los. O ritual dura duas horas.
Tony diz que a tenda é uma lente de aumento e um espelho do mundo e de nós. Eu já estava sentindo os primeiros sintomas parada na porta. Aquilo tudo parecia bem maior do que eu tinha imaginado. Minha mente começou a prever desmaios e crises de asma naquele ambiente. Um medo enorme de não aguentar. Na verdade, o que mais me apavorava era que tipo de trauma eu confrontaria lá dentro. Joguei uma oferenda de fumo na fogueira e desejei quesó me enviassem o que eu fosse capaz de aguentar. Entrei ajoelhada na esteira, procurei um lugar que me pareceu confortável e sentei de pernas cruzadas tentando fazer o ar mais casual possível.
Um de meus maiores defeitos é que não sou muito fã de gente. Tento trabalhar minhas habilidades e consegui desenvolver ferramentas de convívio social eficientes ao longo da vida. Quem não me conhece de verdade pode jurar que sou uma pessoa expansiva e sociável. Na verdade, adoro a solidão e tenho pavor de aglomerações de pessoas. Mas lá estava eu, apinhada com outros 39 estranhos, respirando, olhando e tocando em mim. Minha cricri interior pulou em guarda, de armas em punho e dentes à mostra, e fiquei irritada. Eu me irritava com tudo. Eu me irritava porque as pessoas se mexiam, falavam, tossiam, cantavam, esbarravam, existiam. Cada um de nós tinha um instrumento em mãos, e seguíamos o ritmo do xamã tocando e cantando. Eu batia o chocalho contra a palma da minha mão esquerda e tentava manter a calma.
Assim que a porta da tenda se abriu e a primeira pedra em brasa entrou, desejei a morte de várias pessoas. Sei que isso não é uma coisa muito legal de se dizer, mas o que eu posso fazer?!? Tinha um lado meu bem feio aflorando ali. Era só o começo. Ao longo do ritual, outras 60 pedras iam entrar. Isso mesmo. Sessenta pedras quentes, incandescentes, fumegando, entrando pela tenda escura e abafada. Xinguei. Mentalmente, mas xinguei. Em seguida, comecei a suar em bicas, descontroladamente. Não existia mais zona de conforto.
Pedir para sair
Nesse ponto, eu não conseguia pensar em nada. Só xingava mentalmente. Xingava e reclamava. As pessoas esbarravam em mim, minha perna doía. O ar tomava o rosto e eu repetia: "É só ar quente, Adriana. É só ar quente". Algumas pessoas não aguentavam a sensação de claustrofobia e pediam para sair. Comecei a desejar que todas as pessoas pedissem para sair, para que eu pudesse ficar sozinha. Eu queria controlar minha purificação. Senti gotas de suor pingando no meu pé. Me deu uma aflição horrível, já que eu não sabia de onde vinha aquele suor. Olhei para uma menina que estava ao meu lado: ela parecia estar em um transe alucinante, e eu senti um pouco de inveja disso. Comecei a achar que era o suor dela pingando em mim e achei aquilo meio nojento. Então me dei conta de que o suor era meu. Senti um nojo maior ainda do meu próprio suor. Então me lembrei da Evelyn contando que a tenda era um confronto com nosso ego. Era isso! Era meu ego cheio de manias, controlador, histérico, ranzinza, rabugento até. E tive a prova irrefutável: meu ego era baita chato!
Só havia duas coisas que eu podia fazer: emburrar de vez, desistir e culpar omundo por não atender à ordem e às expectativas do meu ego cricri; ou aceitar aquela experiência e me entregar ao que ela pudesse me oferecer. Fiquei com a segunda opção e resolvi aceitar meu ego chato, do jeito que ele era. E aceitar o caos da tenda, do jeito que ele era. "Cante, reze, entregue-se. A cura irá aonde você precisar", eram as palavras do Tony quando nos orientou. Eu comecei a cantar. Comecei a balançar o chocalho. Cantei no escuro. Só que quando me dei conta, eu estava cantando músicas dos Beatles. Porque na minha cabeça estava tocando Beatles.
Fui cantando "She's leaving home" baixinho, meio sussurrado para o meu ego chato. Fui me abaixando, me deixando levar. Aceitando que meu corpo inteiro estava molhado. Deitando entre as pernas dos meus companheiros de tenda.O calor já não era tão insuportável. A respiração estava natural, simples. As pedras vermelhas não paravam de entrar, mas eu tinha alcançado um platô. Fui me abaixando, me enroscando no chocalho, até me encontrar em posição fetal. No útero da minha mãe. Lembrei-me de quando eu era um bebê e não queria nascer. Havia algo hostil no mundo que me fazia chorar de verdade nochão da tenda. Um choro meio calado, que não saía. Eu sabia que não me queriam ali. Eu não queria nascer porque eu não tinha sido desejada.
Pausa. Este é um daqueles momentos em que minha cética cricri interior para e diz: "Ah! Fala sério!" Não vou dizer que tive uma alucinação, porque é mentira. Eu tinha plena consciência de onde estava. Mas a lembrança veio carregada de todos os sentimentos, texturas e sons. Eu sentia o útero da minha mãe. A textura das paredes. O barulho da água. Eu sempre soube queminha vinda não foi planejada. Meus pais já tinham duas meninas. Quando minha mãe engravidou, meu pai tinha certeza de que era um menino. Nocartão de lembrança da maternidade ele me apelidou de "medonha". Eu era um serzinho branquelo e ruivo.
Batismo
A tenda me colocou de volta no útero e eu tinha medo de nascer. Não queria enfrentar esse mundo onde eu era errada, medonha, mulher e pouco desejada. Mas a luz da porta da tenda se abriu pela última vez. Me empurravam para sair. Eu nasci um dia, e passei a ser muito amada depois. Ainda assim, passei a vida com a sensação de "não ter sido convidada", tentando compensar o fato de ser menina.
Saí da tenda, engatinhando com as pernas dormentes, incomodada pela queda brusca de temperatura e cegada pela luz do dia. Fiquei em pé, querendo muitoque alguém me abraçasse. Entrei na piscina de água natural ao lado. Mergulhei três vezes. Tirei o suor da humanidade inteira que me ensopava. Batizei. Depois fui até a frente da fogueira, agradeci e disse para mim mesma: É isso aí! Talvez não me quisessem aqui, mas eu estou aqui. Talvez não me quisessem assim, mas é o que eu sou. Assim como meu ego cricri e todo oresto do caos desse mundo. Vou aceitar esta vida do jeito que ela é. Olhei para a Evelyn, que me esperava do lado de fora. Entendi. Morri. Renasci.
Adriana Rossatti é analista em redes sociais e estreou seu primeiro texto em Vida Simples há pouco tempo.
continuação...
ResponderExcluirEstou escrevendo isso porquê eu trabalhei com seu pai durante cinco e longos anos, Adriana, muitos deles desesperadores. Eu tinha medo do seu pai. Na maioria da vezes bastava vê-lo entrando na loja e meu coração disparava de medo, pois somente o olhar dele era capaz de me acusar e me penalizar pelos erros que nem mesmo eu sabia que havia cometido. Hoje, eu vejo isso como uma fraqueza minha, de alguém que jamais poderia confrontar um ícone da família.
Há dois anos atrás seu pai me visitou. Eu não tinha mais medo dele, pois eu me tornara independente, homem, daqueles que pode dizer o que bem entender para qualquer um e desaguar seus demônios de rancor sobre qualquer um que um dia te fizeram sofrer, mas, por mais incrível que isso possa parecer, voltar e ver seu pai foi de um momento de altivez em minha vida que surpreendera a mim mesmo. Conversamos como jamais havíamos conversado antes, rimos, relembramos o passado da família, conversamos de um modo que talvez eu sempre quisera conversar com ele num tempo que ele era meu "patrão". Quando ele foi embora, e eu acompanhei o caminhar dele até o carro, mancando de uma perna e bem mais velho desde o tempo que eu o conhecera; Então, eu me lembrei dos medos que ele me impusera no passado e em breves segundos eu me apercebi da importância dele em minha vida, para o bem e para o mal.
Visitei seu pai num dia desses na casa dele em Capão Bonito. Ele nos recebeu de uma forma maravilhosa. Aparentemente continua sendo o mesmo homem regrado e pautado em seus princípios, mas ele fora extremamente receptivo, afável, caloroso. Enfim, foi muito prazeroso estar com ele de um modo não hostil como eu o via no passado.
Sabe, Adriana, dizem que o mais belo sentimento humano é o amor. Mas eu o considero o segundo.
Na minha opinião, o mais sentimento humano é o PERDÃO.
Olá, Adriana
ResponderExcluirLi esse post com muito interesse pois durante algum tempo fui atraído por essas "coisas" estranhas que fogem à nossa realidade, como espíritos, deuses, ufos ... e o xamanismo também foi uma delas embora jamais tivesse um contato físico como esse o qual você vivenciou.
Mas o que me chamou a atenção a comentar aqui, e confesso me segurei ao máximo para não me manifestar, foi a parte referente ao seu pai. Eu te conheço, Adriana, desde o tempo que você estava na barriga da tua mãe, pois trabalhei com seu pai desde 75 de modo que acompanhei o início da sua vida desde sua gestação. E sim, logo após seu nascimento seu pai te chamava de "medonha", pois ao nascer, segundo ele, você não era tão bonita como as duas primeiras filhas dele, pois você era "branquela e ruiva". Mas eu pergunto, qual criança é linda ao nascer? Sejamos sinceros, todos recém-nascidos tem caras de joelho. Seu pai, no entanto, continuou te chamando de "medonha" talvez até seus nove meses de idade, mesmo depois de você se tornar uma bebê deslumbrante. Me lembro, certa vez, na loja de móveis dele, quando você havia aprendido a andar, caminhando com aquela dificuldade alegre e trôpega dos bebês, ele atrás de você, com as mãos no bolso, cuidando para que você não se machucasse entre as fileiras de mesas e cadeiras. Reparei nos olhos do seu pai. Brilhavam de uma forma que eu jamais tinha visto antes. Seu pai era difícil, rigoroso, exigente, autoritário, cruel as vezes, mas naquele momento eu vi outro homem, um Vasco que jamais vira e voltei a ver antes. Aqueles olhos mostravam uma doçura que fugia às regras dele. Então, como se ele mesmo se apercebesse de sua "fraqueza" momentânea", ele levemente lhe chutou o bumbum, então você se virou para ele e soltou um sorriso divertido, ele sorriu de volta a você, enquanto você continuou sua saga entre as mesas e cadeiras da loja. Naquele momento, eu notei o quanto você significava para ele. Se hoje você afirma não ter sido a filha que seu pai mais desejava, como pai, eu lhe afirmo que os filhos que mais fogem às regras de desejos de seus pais são exatamente aqueles aos quais eles mais se apegam. Talvez eu esteja sendo injusto, mas aos meus olhos, você sempre me pareceu a predileta dele entre as quatro filhas, pois desde cedo você me parecia a mais impetuosa , "levada" das filhas.