LUCIANO ALABARSE
Controversos artigos sobre a arte pública que ocupa nossas ruas têm merecido ampla discussão. Opiniões antagônicas mostram divergências acirradas. Essa questão, o que em arte é pertinente e tem valor, não se restringe às artes plásticas. No teatro, também o circo pega fogo. Afinal, gosto se discute ou não? Argumentos contrários sempre puxam a brasa para sua própria sardinha. Nas artes cênicas, tudo é jogado no mesmo saco: teatrão, teatro experimental, besteirol, musicais, monólogos, o que pintar. Para além das opiniões especializadas, ainda é o público, este ente eternamente cortejado, o avalista maior às manifestações artísticas, embora nem sempre reconheça e corresponda ao que lhe está sendo oferecido.
Friedrich Schiller, em 1803, no prólogo que acompanhou a impressão de A Noiva de Messina, obra em que propôs inúmeras inovações dramatúrgicas, afirma: “Não é verdade que o público faz baixar o nível da arte; é sempre o artista que rebaixa o público, e em todas as épocas em que a arte decaiu, ela declinou por causa dos artistas.” E complementa: “uma vez que comece a se contentar com o que é ruim, o público não mais exigirá da arte a excelência que ela deve apresentar”.
Arte é uma coisa, entretenimento é outra. Linguagens distintas, objetivos diferentes. Guardadas as distinções, que por aqui soam como ofensa pessoal – e não são –, arte e entretenimento devem e podem coexistir, na boa. Quando vejo um filme de ação, e vejo muitos, quero explosões escapistas e tiroteios absurdos. No teatro e na música, não consigo o juízo de valor condescendente. Não adianta: não gosto de música sertaneja ou de pagode romântico, peças de dramaturgia rala não me convencem, montagens caça-níqueis não me tiram de casa.
Tais ofertas têm um público cativo, revelando-se atividade rentável e provedora. Bom pra quem gosta, ótimo pra quem faz, o rancho do mês garantido. Arte, no entanto, é outra coisa. É quando, depois de uma apresentação, a plateia sai disposta não só a aproveitar a pizzaria da esquina, mas transformada em seu apuro e percepção. Arte teatral é Incêndios, da Marieta Severo, ou Medeia Vozes, do Oi Nóis, peças que iluminam os breus do gosto e fazem a loucura da vida valer.
No dia da morte de duas ciclistas porto-alegrenses, lia Mãos de Cavalo, no qual, logo no primeiro capítulo, Daniel Galera nos dá uma aula magna sobre bicicletas, por meio dos olhos e do tombo colossal de um menino de dez anos. Rezei pelas vítimas lendo o romance de uma vez só. Que fossem as palavras de um livro incrível a me consolar ante a insensatez dessa tragédia é um fato alentador.
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