sexta-feira, 18 de abril de 2014

" Seleção "

Artigo  Zero Hora


Eu prefiro fazer
minha seleção
no trigal,
esquecendo o joio.
E vocês?
THEMIS GROISMAN LOPES*
 
 
A leitura do excelente e profundo livro de Abrão Slavutzky, O Humor é Coisa Séria, remeteu-me à próxima Copa do Mundo no Brasil. Em um dos capítulos, simplificando, o autor mostra que em várias situações da vida as pessoas têm a opção de escolha: ficar com o joio ou o trigo.

Grande parte da população sempre condenou e continua a mostrar seu desagrado com a realização da Copa em nosso país. As ponderações são mais do que justificadas. Enquanto são gastos bilhões para a construção de estádios monumentais, muitos e muitos brasileiros passam fome, não têm acesso à saúde, vivem inseguros com a falta de proteção governamental e a educação é bastante precária. Seria excelente que toda essa quantia gasta para mostrar, com ufanismo, ao mundo que o Brasil tem condições de sediar uma Copa Mundial fosse destinada a todas as nossas carências, que não são poucas. Entretanto, o evento já está aí.

Uma vez que vivemos uma situação irreversível em relação à existência da competição no país, quem sabe possamos pensar em esquecer o joio e ficar com o trigo? Afinal, a Copa representa um momento ímpar. A população, desiludida com as tragédias e tristezas vivenciadas no dia a dia, talvez perceba o certame como uma forma de catarse e de compensação, além de renovação da esperança num país melhor.

O futebol é um espetáculo que alimenta o povo; a sociedade precisa de amálgamas para fortalecer-se como grupo. Também é um amortecimento, mesmo que momentâneo, a tantos sofrimentos. É quando a família se reúne, com um único objetivo, esquecendo querelas e desentendimentos. Há uma descarga da agressividade no grito estrangulado que se libera a cada gol. Toda vez que os nossos sagrados símbolos, como a Bandeira Nacional, se elevam e o Hino Nacional é cantado, agora, muito próximo a nós, o amor pelo país recrudesce.

Surge outra hipótese, muito possível: as dependências livres dos imensos estádios poderiam ser usadas na construção de escolas e postos de saúde, que trariam grandes benefícios à população, assim como aconteceu com o Sambódromo do Rio de Janeiro, onde embaixo foram criados os Cieps. Seria o momento de reverter uma situação já estabelecida, olhando o lado positivo que pode apresentar.

Não podemos optar pelo joio e esquecer o trigo. Vamos colher os frutos que a terra, apesar de não bem trabalhada, é ainda capaz de fornecer. E, quem sabe, a possibilidade de explodir de alegria os corações, na conquista de um hexacampeonato pela nossa Seleção. Afinal, somos todos brasileiros e qualquer alegria que possamos obter é um lenitivo às dores e decepções.
Eu prefiro fazer minha seleção no trigal, esquecendo o joio.
                                                          E vocês?


*Psiquiatra

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