sábado, 14 de novembro de 2015

" O Sangue Salgado "

"Pois eles perderam o ritmo/o pulso do mar/em seu sangue salgado" Jon Stallworthy (1935-2014)

Do planalto da Anatólia em linha reta até ao Magreb, o céu praticamente desconhece nuvens, as noites estreladas são propícias a que se observem as formas formidáveis do zodíaco. É um gigantesco lençol negro cravejado por pequenos ou minúsculos brilhos que fizeram com que os diamantes fossem um dos mais ambicionados cristais comprados para enfeitar as favoritas do harém do sultão, do califa, do emir ou do pachá. Ter um diamante é ter uma estrela nas mãos.
Todavia, este mundo de belezas noturnas, quando o sol se põe é sucedido pelo terrível ardor do deserto. Milhares e milhares de quilômetros acham-se cobertos por pedra e areia, nos quais somente os beduínos e camelos conseguem sobreviver. Eles e os escorpiões.
Foi por lá que os deuses brotaram. Primeiro às centenas (como na Babilônia, na Caldeia, Fenícia e na Assíria), depois se reduzindo com o tempo a um só deles (fosse Javé, Deus ou Alá) que espalharia a fé pelos cantos da Terra. O Levante passou a ser o palco dos profetas, dos místicos, magos e loucos
Em sua homenagem ergueram com pedras e muito suor zigurates, pirâmides, templos e basílicas, também foi no Oriente Médio onde se inventou a escrita, primeiro a cuneiforme e bem mais tarde a alfabética (o maior presente que os fenícios, nação de navegadores e mercadores, deixaram ao restante da humanidade).
Não houve na sua longa e sangrenta história conquistadores que não ambicionassem o controle daquelas terras e cidades, então ricas em joias e sagradas pelas crenças, cada um ao seu modo fizera expelir o sangue dos nativos. Pior ficou com a descoberta do petróleo. Debaixo da areia havia um mar negro.
Hoje o mundo inteiro, estarrecido e enternecido, vê ao vivo mais uma espantosa diáspora das tantas que se deram no passado. Milhares de familiares fogem da anarquia e da morte. São sírios, afegãos, somalis, líbios etc., praticamente não há etnia que não se faça presente nas precaríssimas embarcações que na fantasia de alguns é uma Arca de Noé de minúsculo porte com que tentam atingir o monte Ararat (a Europa). Os que não conseguem, os mais infelizes, caindo no mar, sentem o gosto do sal a entrar-lhes pela boca e inundar seus pulmões e logo o seu sangue. O sangue salgou.

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