Perguntaram ao escritor sulista americano William Faulkner como ele explicava o florescimento literário havido no Sul dos Estados Unidos depois da Guerra Civil e sua resposta foi sucinta: "Nós perdemos". A humilhação da derrota e o fim de um tipo de vida explicavam a literatura, que misturava nostalgia, decadência, romantismo sombrio e um certo preciosismo "faisandé". O estilo perdurou até autores modernos como Truman Capote, Carson McCullers, Flannery O'Connor, Tennessee Williams e o próprio Faulkner, e ganhou um nome: "gótico sulista". O Sul perdeu a guerra, mas criou um gênero.
Quando o Homero disse (se é que disse mesmo, nada que se sabe de Homero é cem por cento certo, nem a sua existência) que as guerras aconteciam para serem cantadas pelos poetas, não queria dizer que a arte compensava tudo. Ou queria? Contam que um grupo de oficiais nazistas foi visitar o atelier do Picasso durante a ocupação de Paris e, vendo uma reprodução do seu quadro Guernica, a dramática recriação da destruição daquela pequena cidade pelos alemães na Guerra Civil espanhola, um deles comentou: "Ah, foi você que fez isso, não foi?". Ao que Picasso teria respondido: "Não, foram VOCÊS que fizeram isso". Por um tortuoso raciocínio homérico se poderia concluir que os alemães foram coautores da pintura. Pelo mesmo raciocínio, louve-se a perseguição fascista na Europa pelo exílio de tantas mentes superiores e tanto talento na América, louve-se a escravatura pela nossa rica cultura negra e louve-se as agruras do nosso agreste pelos bons escritores e artistas nordestinos.
Tudo isso foi sintetizado naquela célebre fala que deram para o Orson Welles (há quem diga que a fala foi escrita pelo próprio Welles) no filme O Terceiro Homem, adaptado de um romance do Graham Greene. Para justificar seu mau caráter, Welles compara a conturbada história da Itália antes da unificação com a milenar placidez da Suíça. Enquanto a Itália, junto com conspiradores, corruptos e canalhas tinha produzido alguns dos maiores gênios da humanidade, a bem-comportada Suíça só produzira - o relógio cuco.
Mas a ideia de que a arte compensa qualquer barbaridade é perigosa. Melhor dizer que os eventuais benefícios de crimes históricos não os absolvem. São efeitos acidentais, como certos queijos que descendem do leite estragado. E você, prefere a paz que só produz o relógio cuco ou a confusão que produz dois, três, muitos leonardos da vinci?
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* Jornalista. Escritor
Fonte: Estadão on line, 01/08/2013
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