J.J Camargo*
Foto: Ilustração de Edu Oliveira / Agência RBS
*J.J. Camargo é cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia e presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM)Sentado na primeira fila de um voo Brasília — Porto Alegre, o moleque com a cara linda e um sorriso espontâneo era a imagem da ansiedade. Tanta, que não lhe permitia ficar recostado na poltrona. Aquele olho inquieto, atento a cada detalhe, era um convite irresistível à conversação, faltava-lhe apenas o interlocutor, viesse de onde viesse.
Depois da decolagem, quando o parceiro de bancada abriu o computador expondo fotos de cirurgias, ele nem pretendeu disfarçar que espiava com o rabo do olho e desencadeou uma sequência de perguntas, que se somavam a outras, antes mesmo que chegassem as primeiras respostas. Havia muito com que interagir e pouco tempo a perder.
A perspicácia reveladora de uma inteligência superior se somava a uma voracidade intelectual deslumbrante num garotinho de 11 anos, a devorar imagens e palavras, com aqueles olhos enormes, ávidos de tudo.
Quinze minutos depois, com a afinidade acelerada pelo encantamento mútuo, vieram as questões pessoais: moras em que cidade, trabalhas onde, estás de férias? Essas coisas...
A mãe morava em Brasília e ele estava aproveitando as duas semanas de férias para ficar com o pai, que se separara da família há dois anos e vivia em Porto Alegre.
Pelo menos a maior parte da ansiedade estava explicada: no fim do caminho haveria um pai à sua espera.
Depois da decolagem, quando o parceiro de bancada abriu o computador expondo fotos de cirurgias, ele nem pretendeu disfarçar que espiava com o rabo do olho e desencadeou uma sequência de perguntas, que se somavam a outras, antes mesmo que chegassem as primeiras respostas. Havia muito com que interagir e pouco tempo a perder.
A perspicácia reveladora de uma inteligência superior se somava a uma voracidade intelectual deslumbrante num garotinho de 11 anos, a devorar imagens e palavras, com aqueles olhos enormes, ávidos de tudo.
Quinze minutos depois, com a afinidade acelerada pelo encantamento mútuo, vieram as questões pessoais: moras em que cidade, trabalhas onde, estás de férias? Essas coisas...
A mãe morava em Brasília e ele estava aproveitando as duas semanas de férias para ficar com o pai, que se separara da família há dois anos e vivia em Porto Alegre.
Pelo menos a maior parte da ansiedade estava explicada: no fim do caminho haveria um pai à sua espera.
Uma dor fininha varou o esôfago só de pensar como seria doloroso ficar longe de uma cria assim tão maravilhosa e a reação quase instantânea foi imaginar como estaria agora aquele pai, caminhando de um lado para outro, transbordando de angústia nas cercanias do portão de desembarque, à espera que o alto-falante anunciasse que o avião havia pousado.
De repente, uma dúvida, e com ela um sobressalto, e de novo a dorzinha que agora estreitava a garganta: e se o pai não correspondesse àquela ansiedade?
E se ele estivesse lá, de cara amarrada pela vinda de um fedelho que lhe quebraria a rotina a importunar pelas próximas duas semanas?
Vá lá saber como são todos os pais deste mundo louco!
O certo é que, com esse tipo de dúvida, era impossível apanhar a mala e ir embora para casa como se tudo estivesse resolvido. Fazer um tempo para fiscalizar aquele encontro era obrigatório.
E aí aconteceu. Quando enxergou o pai, o pirralho cegou para o resto, soltou a alça da pequena maleta que arrastava pelo salão e correu, e correu como só se corre para um pai, e saltou nos braços dele, que o apertou muito, e ficaram assim rodando no ar, como se o saguão inteiro fosse só deles. E, de fato, era.
Agora sim, missão cumprida, um táxi por favor!
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