quarta-feira, 14 de agosto de 2013

" Não é fácil lidar com a estupidez "

Entrevista com Jean Wyllys

Jean Wyllys I “Não é fácil lidar com a estupidez” Entrevista com Jean Wyllys
“Quem me chamou e falou que esse legado poderia ser convertido numa representação política foi ACM Neto,
Aloizio Mercadante e Heloísa Helena”.

Na matéria, Wyllys fala sobre a dificuldade de se lidar com direitos humanos no Brasil e alerta que o combate à homofobia não pode cair na armadilha de reforçar o Estado penal.
Jean Wyllys é jornalista, professor universitário e deputado federal. Quando adolescente, já sabia e reconhecia o seu desejo por outros homens, e passou então a querer entender seu “espaço no mundo”. Fruto dessa inquietude, ainda conflituosa com os valores cristãos herdados do seio da família, questionou, pela primeira vez, uma liderança religiosa sobre a homossexualidade e a igreja. “A reação do Dom Jaime foi muito curiosa, ele disse que eu estava perdendo a fé”, relata o parlamentar.
Atualmente, talvez, somente Deus seja mais citado do que o deputado federal do Psol-RJ nos discursos inflamados dos pastores midiáticos, a quem o parlamentar prefere chamar de “fundamentalistas religiosos”. A atuação contra a homofobia e os embates com Marco Feliciano e Silas Malafaia fizeram desse baiano de Alagoinhas o maior representante do movimento LGBT no Congresso Nacional.

Em 2005, quando venceu a quinta edição do Big Brother Brasil, Jean Wyllys amealhou 50 milhões de votos via internet ou telefone, projeção que fez com que lideranças políticas, de orientações e partidos distintos, o procurassem para transformar a força dessa votação global em resultado eleitoral. “Quem me chamou e falou que esse legado poderia ser convertido numa representação política foram ACM Neto, Aloizio Mercadante e Heloísa Helena.” Apesar do sucesso midiático, o pleito por uma cadeira na Câmara dos Deputados terminou com 13.018 votos. Sua ascensão ao Parlamento só foi possível por uma carona na campanha do companheiro de partido Chico Alencar, cuja expressiva votação de 240 mil eleitores permitiu a eleição de mais um parlamentar.

Hoje, apesar de ter se tornado uma bandeira ativa de um movimento específico, o LGBT, quer ser reconhecido por uma atuação mais ampla. “Não é fácil falar de direitos humanos quando a noção de direitos humanos é direito de bandido e quando as pessoas demandam por vingança, e não por justiça.”

Jean Wyllys recebeu Fórum um dia antes da 17ª Parada do Orgulho LGBT, em São Paulo. Durante a entrevista, o deputado falou sobre miséria, conservadorismo, homofobia, direitos humanos, marco regulatório da mídia, defendeu que a rede Globo e os meios de comunicações são espaços a serem disputados pela esquerda e reclamou da falta de educação política dos brasileiros.

Fórum – Certa vez, você disse: “Em Alagoinhas, vivia-se abaixo da linha da pobreza.” Chegou a passar necessidade nessa época? Como foi a sua infância e adolescência lá no Nordeste?
Jean Wyllys – Minha família vivia abaixo da linha de pobreza. Nasci e cresci em uma periferia chamada Baixa da Candeia, o nome oficial é Assis Chateaubriand, mas Baixa da Candeia foi o nome pelo qual ela ficou conhecida. Vivia em uma periferia rural, muitos sítios onde as pessoas ainda plantavam mandioca no fundo e tal, não tinha água encanada e minha mãe lavava roupa no rio. Era uma infância de muita pobreza e, ao mesmo tempo, uma infância muito bacana, de ir nadar no rio, de brincar de roda e ciranda, dos festejos do catolicismo popular presentes, como a festa junina.
Mas, voltando à miséria, a gente vivia numa situação complicada, meu pai tinha problema com alcoolismo, então, desde que me entendo por gente, ele não tinha emprego fixo. Estava trabalhando em uma oficina e na semana seguinte já mudava de oficina, por causa da bebida, isso fazia com que ele não tivesse meios de bancar nossa sobrevivência, a gente dependia muito da ajuda dos outros, de coisas dadas mesmo. Mas não era uma grana suficiente pra criar tantos filhos, éramos sete, mas minha terceira irmã morreu, somos seis hoje.

Fórum – Era o filho mais novo?
Jean Wyllys – Não, sou o quarto, tem três meninas antes de mim. Para que você tenha uma ideia, minha mãe engravidou com um mês de parida. Era muito filho morando em casas precárias, porque tinha de ser casa em que o aluguel fosse barato, era cada casa ruim… Quando chovia, molhava dentro de casa, em bairros que não tinha esgotamento sanitário, era um horror. Nem sempre a gente tinha comida todos os dias, muitas vezes fui pra escola com fome. Ao mesmo tempo, minha mãe era uma mulher de muita fibra, tinha um orgulho danado. A gente não se apresentava sujo em nenhum momento, tínhamos de estar limpos, podia não ter sabonete em casa, mas ela dava um jeito, pegava patchuli, que é uma folha muito comum na região em que vivíamos, macerava e dava banho pra que a gente ficasse cheiroso. A camisa poderia estar puída e rasgada, mas estava limpa, impecavelmente limpa. Mesmo com os surtos de piolho que tinham na região, no nosso cabelo não tinha. Ela tinha esse cuidado, essa coisa da higiene, apesar da pobreza.
Comecei a trabalhar aos 10 anos, fui vender na rua, eu e meu irmão, começamos com algodão-doce e depois com a folhinha do Sagrado Coração de Jesus, e ainda vendemos um livro chamado As plantas curam. Apesar do trabalho, nunca pensei em deixar de estudar, e ia com fome para a escola muitas vezes, porque era um lugar que eu gostava de ir, apesar do bullying.

Fórum – Você foi para Salvador com que idade?
Jean Wyllys – Saí de Alagoinhas com 15 anos para um colégio interno, que foi um grande divisor de águas na minha vida. Era um colégio da Fundação José Carvalho, uma instituição filantrópica, era de propriedade de uma indústria de ferro liga que tem na Bahia, chamada Ferbasa. Essa fundação administrava o Colégio Técnico da Fundação José Carvalho, um colégio de excelência com um processo seletivo rigoroso. Por pior que seja essa ideia, porque é uma ideia que flerta com o nazismo, a ideia de formação de uma elite pensante, o colégio tinha esse ideal de formar uma elite intelectual que viesse da pobreza. Aos que passavam, eram oferecidos três cursos: tradutor-intérprete, analista de sistemas, numa época em que informática era para poucos, e técnico em mineração, que era para formar mão de obra para a indústria. Optei por análise de sistemas, e já saí da fundação com um emprego certo num hospital português. Tive formação em teatro, música, cinema, oratória, cheguei em Salvador pronto para o vestibular. Fiz a prova para três universidades: a católica, a estadual e a federal, passei nas três. Então, optei por fazer jornalismo. Antes de ir para a fundação, o que me ajudou muito foi a igreja, ela foi muito importante pra gente.

Fórum – Qual a sua orientação religiosa, hoje? Ela existe?
Jean Wyllys – Tenho uma religiosidade, não tenho uma religião. Depois desse período em que me engajei, me associei à Pastoral da Juventude estudantil, e quando entrei na fundação quebrei esse vínculo com a igreja. Chegou um momento em que eu comecei a questionar, porque, óbvio, o desejo já se fazia presente na minha vida, o afeto e o desejo, e comecei a questionar os padres sobre isso. O bispo Jaime foi para quem eu perguntei, estava intrigado, queria saber por que a igreja não tratava da questão da homossexualidade.

Fórum – Qual foi a reação?
Jean Wyllys – A reação do Dom Jaime foi uma reação muito curiosa, ele disse que eu estava perdendo a fé. Entendi que era um limite para mim, que a igreja, embora tenha me dado valores muito bacanas, colocou ali um limite, e coincidiu com a minha ida para a faculdade. Mas já na Fundação, comecei um flerte com o ateísmo, com a entrada na universidade, e com a leitura do Materialismo histórico, de Marx, fui flertando mais com ateísmo, mas sou baiano e pisciano, não dá para viver num deserto de crença, não dá para não crer. Crer, em mim, é imperativo.
Talvez por ter sido criado com uma educação católica, Deus passa a ser uma marca indelével, marcada a ferro e fogo em mim. Você pode até flertar com o ateísmo, mas Ele está ali. Eu lembro, aqui, do João Cabral de Melo Neto rezando quando estava morrendo. O ateu mais convicto rezou no momento da sua morte. Então, não conseguia viver num deserto de crença, e encontrei nas religiões de matrizes africanas um lugar no qual poderia recompor a minha relação com o sagrado. O candomblé sempre rondou a minha vida porque a família do meu pai é ligada ao candomblé, minha avó Rosa era rezadeira, tinha um altar de santos vestidos que me fascinava e, ao mesmo tempo, me dava medo por causa da educação católica que tive. Tinha um fascínio pela tatuagem que ela tinha no braço, uma estrela de Davi. Ela não era judia, o fato de ela ter uma estrela de Davi tatuada era tão somente porque a estrela era um símbolo pagão anterior ao judaísmo. Na Baixa da Candeia, como uma grande periferia, tinha muito terreiro de candomblé. Os terreiros foram banidos para os lugares mais distantes, religião de preto e de pobre tinha que ser banida dos centros.

Fórum – Sua família era conservadora e católica; como foi sentar para conversar e explicar a sua homossexualidade? Foi para sua mãe que contou primeiro?
Jean Wyllys – Na verdade, foi para meu irmão. Minha irmã foi surpreendente, ela falou: “Eu sempre soube e isso não muda nada”, achei muito bonito. Meu irmão também disse algo parecido, mas, com ele, eu temia mais. Sempre fomos ligados, temos um ano de diferença de idade, ele é hétero e eu sou gay, temia que ao dizer isso houvesse um afastamento, mas não houve. Com a segurança que os dois me deram, pude falar com minha mãe com tranquilidade. Lembro dos olhos dela marejando, ela chorando, mas minha mãe sempre confiou em mim, porque assumi o papel de arrimo de família muito cedo, aos 10 anos.
Meu pai estava vivo, mas conversei só com minha mãe, não conversei com ele. Quando disse pra ela, tinha acabado de entrar na Fundação, e como entrar lá era um prestígio muito grande…

Fórum – Você ganhou um reality show, ficou rico e se tornou repórter de um programa de TV. Em que momento você falou: “Quero ser deputado”?
Jean Wyllys – É assim, a política sempre esteve na minha vida, cara. A política esteve na minha vida antes de tudo isso que você disse.

Fórum – Mas, discutir política e ser politizado é diferente de tomar um impulso e dizer: “Agora quero ser personagem dessa política”.
Jean Wyllys – Confesso para você que nunca pensei em ser um representante eleito, em nenhuma das esferas. Como sempre fui um garoto falante, e bem falante, as pessoas diziam: “Esse aí vai ser advogado ou político”. E eu dizia: “Não, eu vou ser jornalista”. Tenho a ideia que eu queria ser jornalista desde os 12 anos, e me tornei jornalista. A política sempre esteve na minha vida, essa agenda de movimentos sociais entrou na minha vida muito cedo, e sempre fui engajado politicamente no movimento pastoral. Quando cheguei em Salvador, entrei no movimento homossexual, porque não tinha o movimento LGBT, não tinha esse nome ainda.
Bom, aí venci o Big Brother com 50 milhões de votos na final, e com todas as características que eu tinha: nordestino e gay. Então, após o programa, chegou um momento em que precisei entender o que fazer desse legado. Quem me chamou e falou que esse legado poderia ser convertido numa representação política foi ACM Neto, Aloizio Mercadante e Heloísa Helena. Três figuras diferentes, de três partidos diferentes e de três ideologias diferentes. Mas todos identificaram em mim um potencial representante eleito.

Fórum – Os três identificaram convidando você?
Jean Wyllys – Os três identificaram me convidando. ACM Neto convidou para que eu fosse como vereador na chapa dele, em 2006, em Salvador. Mercadante me convidou quando fui participar de uma audiência pública no Senado, para debater sobre o Estado laico no Brasil, e ele me chamou depois de um papo que eu tive com uns senadores do PT. O Mercadante falou sobre isso, ele me disse: “Você tem de se filiar a um partido, porque o que vai garantir a chance de se candidatar é um partido, e você tem um legado de popularidade.” É claro que ele falou isso esperando que eu fosse me filiar ao PT. E depois, Heloísa Helena me encontrou numa festa do cortejo afro em Salvador e me convidou, dizendo que meu perfil era o perfil do Psol.
Pensei que, se três pessoas tão distintas falaram isso, então é porque o universo está me dando um sinal. Bom, aí é pública a decisão, fui e me filiei ao Psol porque o PT, no Rio de Janeiro, é um apêndice do PMDB. Ideologicamente, estava mais próximo do Psol, embora eu não concorde com tudo do partido, mas isso é salutar. Quando eu me filiei, já cheguei com a expectativa de sair candidato, mas sem esperança de vencer, porque sabia que estava “fora da mídia” – odeio essa expressão, odeio, mas vou usar porque não existe outra – há muito tempo, porque assim eu quis. Pedi demissão da Globo, do “Mais Você”, para voltar à academia, a dar aula, eu era professor da Universidade Veiga de Almeida e da ESPM, voltei a dar aula e estava fora da imprensa de maneira deliberada. Tinha contra mim o fato de ter participado do BBB, e as pessoas, quer dizer, a imprensa não está muito preocupada em distinguir alhos de bugalhos e trata todo mundo da mesma forma, ninguém queria saber qual foi a motivação, na verdade tinha um estigma e isso pesava contra mim. Por outro lado, tinha o fato de o Psol ser um partido pobre e que não aceita doações de empresas, não compactua com o financiamento privado de campanha, é um partido de poucos recursos, e os poucos recursos que o partido tinha iam ser investidos no Chico Alencar.
O Chico tinha sido candidato a prefeito em 2006, e tinha tido 80 mil votos, então o partido achava que ele podia não ter uma quantidade suficiente de votos para se reeleger a deputado federal. Eu não teria recursos, seria uma campanha invisível, como de fato foi, me candidatei sabendo que eu não seria eleito. E aí, para minha surpresa, fui eleito. Isso só aconteceu porque fui o segundo mais votado do partido, o Chico teve uma votação fenomenal, arrebentou.

Jean Wyllys II “Não é fácil lidar com a estupidez” Entrevista com Jean Wyllys
“Acho que o que leva a esquerda aos fracassos sucessivos é a incapacidade dela enxergar os meios de comunicação de massa como um campo a ser disputado”

Fórum – Você estabelece um olhar crítico sobre diversos aspectos e segmentos da sociedade; qual a crítica que você faz ao BBB? Você não acha que eles reforçam muito o estereótipo, promovem alguns preconceitos?
Jean Wyllys – Tenho um olhar crítico sobre toda a cultura de massas. Como diz Caetano Veloso na letra de “Santa Clara”, a televisão é apolínea e dionisíaca, não é a maldita, mas também não é a santa. Nós temos que ter um olhar crítico sobre a cultura de massas de uma forma geral, incluindo aí o futebol. Acho curioso que muita gente que se acha inteligente se arvora a falar mal de BBB ou da telenovela, e se entregue à paixão do futebol. O futebol não quer dizer nada, em minha opinião, sou uma pessoa praticamente alheia ao futebol, não perco meu tempo vendo os campeonatos, mas respeito quem vê. Acho legítimo quem vê aquilo lá como entretenimento, vejo o futebol como um momento para deixar de ser máquina para virar homem, o maquinismo que o capitalismo impõe a cada pessoa e a cada indivíduo, uma máquina de trabalho que vira homem, vivendo a sua paixão.
Respeito quem vê o futebol como espaço de sociabilidade, ou seja, tudo tem que ser visto de maneira crítica, incluindo aí o BBB. O BBB cede de maneira fácil aos estereótipos, mas porque também a audiência quer ver os estereótipos, porque há uma demanda das pessoas por ver aquilo que elas não são. O BBB cede ao estereótipo por uma cultura de valorização da branquitude e da heterossexualidade, que não nasceu com a TV, é anterior à emergência da televisão. A TV emerge para reforçar, mas não podemos esquecer que ela também garante espaços onde isso pode ser contestado. O BBB traz questões que a política não conseguiu pautar; por exemplo, teve agora uma edição, não me lembro se foi a última ou a penúltima, em que a violência contra a mulher foi pautada pelo que aconteceu dentro da casa, um cara que se aproveitou de uma menina que estava bêbada, e isso levou a um debate público muito mais do que a política conseguiu fazer.
A questão da homossexualidade foi debatida de maneira exaustiva e respeitosa com a minha presença, entrei no programa para poder fazer essa leitura crítica de uma maneira mais apropriada. Enfim, tenho um olhar crítico e não me arrependo em nenhum momento de ter entrado, mesmo tendo colocado à prova o prestígio que tinha como repórter. Já tinha publicado um livro antes, era uma figura conhecida respeitada em Salvador e, mesmo tendo colocado esse prestígio em risco, não me arrependo não, cara. Sempre soube que podia entrar e sair das estruturas sem me arranhar e a prova disso é que estou aqui.

Fórum – Historicamente, a linha editorial da Globo tem problemas com os movimentos sociais. Como você enxerga essa contradição entre o seu partido – porque o Psol vem dos movimentos sociais – e a Globo, que defende interesses do capital e da elite?
Jean Wyllys – Vejo com absoluta naturalidade. Acho que o que leva a esquerda aos fracassos sucessivos é a incapacidade dela enxergar os meios de comunicação de massa como um campo a ser disputado. A impressão que tenho é que essas pessoas nunca leram Antonio Gramsci. Há a releitura que o próprio Gramsci fez do marxismo, na qual ele fala da necessidade de posicionamentos estratégicos para você promover a revolução, que não vai acontecer do dia para a noite e com hora marcada. A impressão que tenho é que as esquerdas fracassam também porque parece que nunca leram a revisão da concepção de poder de Michel Foucault de que, nós podemos sim, assumir posições diferentes, dependendo da situação.
Vou pegar como exemplo o cara que vai marchar pelos direitos dos trabalhadores oprimidos pelo patrão e pelo capital. Esse cara é o mesmo que chega em casa, bate na mulher e não lava um único copo. Ele está ali, lutando nas fileiras do movimento trabalhista de inspiração marxista pelo fim da exploração, mas explora a mulher dele dentro de casa. O poder se constituiu nessa relação, essa pessoa que é explorada passou a ser exploradora, e essa ambivalência não serve só para esse trabalhador, a Rede Globo também é um espaço, uma arena. É uma burrice e uma estupidez tratar a Globo como um bloco monolítico e não como uma arena em que há uma disputa interna. Estou lembrando uma frase de Gilberto Gil, um verso dele naquela música “O jornal”: “Um jornal é tanta gente, tudo frio, tudo quente, tudo preso à corrente, é tanta gente num jornal”. A gente não pode achar que todas as pessoas na Rede Globo agem daquela maneira, ainda que haja um perfil editorial, há uma disputa interna para se colocar pautas que são de interesse do movimento social, do movimento ambientalista, que são do interesse das mulheres. Há uma diversidade de representações e, sendo os meios de comunicação de massas fundamentais na construção do imaginário, não podemos relegar esse espaço aos conservadores, ou aos patrões, temos de fazer a disputa interna.
A minha inserção nos meios de comunicação, a começar pelo BBB, responde a esse movimento político. É uma tremenda estupidez quem não consegue entender que não posso deixar somente Silas Malafaia e Feliciano irem ao Ratinho, não posso deixar que só eles ocupem aquele espaço, tenho de estar lá, tenho de plantar essa semente. Aí a gente volta para a parábola do semeador dita por Jesus: “É preciso jogar a semente, ainda que uma parte dela caia em terreno infértil, ainda que uma parte seja comida pelos pássaros, uma ou outra semente vai cair em terrenos onde ela vai dar frutos.”

Fórum – Você é a favor da legalização das drogas?
Jean Wyllys – Sou a favor, e militei bastante contra esse projeto de lei que traça uma política nacional de drogas, de autoria de Osmar Terra, o Psol foi o único partido que militou contra. É um retrocesso em termos de política de drogas, vai na contramão da revisão que os países têm feito na substituição da guerra às drogas por um tratamento na perspectiva da saúde pública e das liberdades individuais de enfrentamento do narcotráfico.
Sou a favor da descriminalização do consumo, e sou radicalmente a favor da legalização de todas as drogas, porque acho que a única maneira de enfrentar o narcotráfico e toda a violência decorrente dele é legalizar. Para as pessoas entenderem, basta pensarem no álcool. Quase toda a população consome álcool, mas nem toda a população é alcoólatra, então os alcoólatras precisam ser tratados no sistema de saúde. Os usuários recreativos têm de ter sua liberdade respeitada, se alguém tem o direito de encher a cara num bar ou encher a cara em casa, também tem o direito de fumar maconha em casa, isso está dentro da liberdade individual e a pessoa tem de estar consciente dos danos que aquela droga pode causar. A gente pode criar uma política de prevenção aos males do fumo, porque o fumo é legal, quem fuma hoje sabe que o fumo pode provocar câncer de pulmão a longo ou a médio prazo, mas a pessoa tem o direito de fumar se ela quiser, é um direito dela.

Fórum – O PLC 122 está tramitando há dois anos e existem outros 28 projetos relativos à causa que também estão parados. Você acha que a mídia tem um papel importante no fato de essa agenda estar travada?
Jean Wyllys – Sou otimista e costumo sempre ver o que existe de positivo. Acho que a minha presença naquela casa, o fato de eu ter recomposto a frente parlamentar pela cidadania LGBT mantém essa peteca no ar. Posso não garantir a conquista legislativa, mas garanto o espaço político da discussão, isso já é muito bom, porque tem efeitos em outras esferas do poder ou em outros poderes da República. Temos tido conquistas: no Judiciário, no que diz respeito a ampliar a cidadania LGBT, e a gente vê conquistas tímidas no plano do Executivo. Podemos não ter, ainda, a conquista legislativa, mas sou otimista quanto ao casamento civil, acho que a decisão do CNJ de regulamentar no Brasil inteiro o casamento entre pessoas do mesmo sexo pavimenta o terreno e amplia a possibilidade de o casamento ser garantido na legislação, alterando a Constituição e o Código Civil, que é a batalha para ser enfrentada agora.
Sou otimista quanto ao PL 122, mas na perspectiva de estarmos construindo esse relatório junto com o Paim, que é o relator. Estamos dando um subsídio para ele, não queremos que a homofobia seja tratada só como matéria penal, porque ela é sistêmica e deve ser sistematicamente enfrentada, não só como tipo penal. Não sou a favor da ampliação do Estado penal, que sempre foi utilizado para gerir a pobreza. Quem está preso? São negros e pobres da periferia, essa é a verdade. Acho que o Estado penal brasileiro já é suficientemente duro, não precisamos de mais penas e de tipos penais, já temos muitos, se vacilar, nós dois aqui somos criminosos e não sabemos. Não precisamos ampliar mais, o Código Penal que temos já contempla a homofobia como matéria penal, temos lá a lesão corporal prevista como crime e o homicídio por motivo torpe previsto como crime, basta que as pessoas encarregadas na investigação dos crimes com motivação torpe sejam sensíveis para colocar a homofobia como motivação torpe. O Ministério Público, as delegacias, os delegados e detetives que investigam os crimes e as Secretarias de Segurança Pública precisam entender que a homofobia é um dado e que o ódio homofóbico motiva, sim, a lesão corporal e o homicídio.
A nossa luta vai continuar, dentro do Congresso vou continuar sendo uma pedra no sapato dos conservadores de direita, sou uma pedra no sapato não só deles, como do próprio movimento LGBT, porque o movimento LGBT tem caído na armadilha de defender a criminalização da homofobia com a ampliação do Estado penal, e isso é uma estupidez porque o Estado penal já se voltou contra nós, acaba de se voltar contra os homossexuais na Nigéria, onde foi aprovada a lei que pune com 14 anos de prisão a prática da homossexualidade. E sabendo que a homofobia é praticada mais largamente – não que ela não seja praticada por pessoas com instrução, é também – em espaços com nível de educação mais baixo, a gente já sabe quem vai ser punido com a criminalização da homofobia, né?

Fórum – É assustador o número de homicídios, ainda mais na Bahia, seu estado.
Jean Wyllys – Ele é realmente muito alto. Mas, não é só uma resposta penal que vai minimizar os homicídios, porque a resposta penal dada ao racismo não minimizou o problema, o racismo é uma estrutura, a homofobia também, e eles devem ser desestruturados com políticas de educação, de saúde, de segurança pública… Política cultural é fundamental, política de comunicação também. A gente precisa de um marco legal para a comunicação, não podemos permitir que pastores fundamentalistas tenham espaço na TV, e, se tiverem, não se pode permitir que esse espaço seja utilizado para difamar, desqualificar e desumanizar um segmento da população inteira.

Fórum – Você pretende se manter como deputado em 2014?
Jean Wyllys – Ser deputado não é uma decisão fácil de tomar, amigo. E tenho uma relação ótima com meu partido e com meus eleitores, e existem pessoas que não votaram em mim, mas se sentem representadas por mim, então, não posso tomar uma decisão sem ouvir todos esses lados, mas não digo para você que estou convicto de que vou me reeleger. Ser deputado com esse perfil, que toca essa agenda dos direitos humanos, não é fácil. Não é fácil ser deputado com esse perfil num país em que as pessoas não têm uma educação politica para entender qual é o papel do Legislativo federal. Uma população que em sua maioria confunde o papel do deputado federal com o do deputado estadual e com o do vereador, não é fácil falar de direitos humanos quando a noção de direito humano é direito de bandido e quando as pessoas demandam por vingança, e não por justiça. Não é fácil ler os insultos e as injúrias, não é fácil enfrentar as difamações em curso nas redes sociais, não é fácil lidar com a estupidez, não é fácil lidar com a inveja, não é fácil lidar com a dificuldade das pessoas de ver o homossexual no lugar de sujeito e não de objeto, tudo isso traz angústias.

Fórum – Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. Você pode me dar sua opinião sobre esses três governos?
Jean Wyllys – Bom, se não houvesse o governo de FHC não teria havido estabilização da economia, por mais neoliberal que tenha sido seu governo, por mais que ele tenha privatizado serviços essenciais tocados pelo Estado. Privatizações sem muito critério, vendeu algumas de nossas empresas estatais a preço de banana, mas, por mais que os bancos tenham saído fortalecidos por essa politica neoliberal, a verdade é que ele estabilizou a economia, e sem essa estabilidade Lula não teria as condições para tocar as políticas sociais nos governos dele. Por outro lado, não tinha muitas esperanças no governo FHC, mas depositei muitas no governo Lula, que teve, em relação ao governo FHC, duas diferenças. Uma positiva, que foi empreender mais políticas sociais, com destaque para o Bolsa Família, que é um programa de distribuição de renda mesmo, que tirou milhões de pessoas da miséria. Mas os governos Lula engessaram os movimentos sociais, transformando os líderes dos movimentos em gestores públicos e, portanto, tirando dos movimentos sociais a capacidade de crítica e de pressão sobre o governo, criando quase uma cumplicidade entre governo e movimento social, que é algo pernicioso à democracia.
No segundo turno de 2010, apesar da experiência com Lula, votei na Dilma, e, mesmo recebendo criticas dentro do Psol, fiz campanha para ela, porque achava uma melhor alternativa do que o Serra. Acreditava que a marca de gênero traria uma diferença em relação ao governo Lula, Dilma sairia do discurso, porque o Lula ficou no discurso, achava que ela partiria para a ação e votei com essa esperança. Quando assumiu, ela disse que faria uma defesa intransigente dos direitos humanos e acreditei, e me decepcionei. O governo Dilma é um retrocesso em relação ao governo Lula no que diz respeito até mesmo a criar fóruns de discussão, no plano do discurso ou dos simples atos, há uma simbologia quando Lula abraça a bandeira do arco-íris, isso tem um efeito político enorme, a Dilma não faz isso.
Então, a primeira mulher eleita se comporta como se fosse um homem, e isso não é um elogio, ao contrário. Queria que ela se comportasse como uma mulher, trazendo essa marca de gênero, nesse sentido, Lula foi mais feminino, agiu mais pelo lado feminino que nos compõe, esse princípio feminino da sensibilidade. A Dilma é dura nesse sentido, não cita a expressão LGBT, a não cita a palavra homossexual nos discursos. Se não fosse a secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que tem uma Coordenadoria da Diversidade Sexual, não fosse ela ser a única ilha no governo Dilma, a causa LGBT estaria ausente das políticas públicas.

Fórum – Conversamos com o deputado estadual Marcelo Freixo e ele disse que andava tentando convencer o deputado federal Chico Alencar a sair candidato à Presidência. É um nome que você gosta também?
Jean Wyllys – É sim, é um nome que gosto muito, prefiro até o nome do Chico ao do Randolfe. O Randolfe tem um diálogo com o eleitorado, mas ele é controverso dentro do partido, nem todas as correntes fecham no Randolfe, o Chico apazigua mais as questões internas. Vamos ter a Dilma se comprometendo com forças fundamentalistas conservadoras, a gente já tem a Marina dizendo desde já que está comprometida com essas forças, escancaradamente.

Fórum – Você não chegou a flertar com a Rede Sustentabilidade?
Jean Wyllys – Não, cheguei a ir nas reuniões do Movimento Nova Política, que resultou na Rede, a principio era só um movimento suprapartidário e eu fui em duas reuniões, mas desde o início disse que não sairia do Psol.
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Reportagem por Igor Carvalho, da Revista Fórum
* Publicado originalmente no site Revista Fórum.
Fotos: José Eduardo Bernardes
revista Fórum)
Fonte: http://envolverde.com.br/sociedade/nao-e-facil-lidar-com-a-estupidez-entrevista-com-jean-wyllys/

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