Valorações à parte,
entramos na era
da privatização
da investigação
O Brasil tem uma nova Lei Anticorrupção. Aprovada no propósito de elevar o padrão ético nas relações entre os setores público e privado, a Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, representa, sob diversos aspectos, um marco no cenário jurídico nacional, projetando sensíveis impactos sobre a administração da atividade empresarial.
A partir de sua entrada em vigor, prevista para fevereiro de 2014, não apenas os sócios, diretores e funcionários das empresas, mas a própria pessoa jurídica envolvida em irregularidades será submetida a processo de responsabilização civil e administrativa. Além de elevadas sanções patrimoniais (multas de até 20% do faturamento), as práticas consideradas lesivas à administração pública (exemplificativamente, oferecimento de vantagem a servidor público, obtenção de benefícios indevidos em contratos e licitações e geração de obstáculos à atividade fiscalizatória do Estado) poderão gerar o perdimento de bens, a suspensão parcial das atividades e, até mesmo, a dissolução compulsória da empresa.
Em polêmica iniciativa, a nova lei prevê o sistema de responsabilização objetiva. Isto é, a aplicação das pesadas sanções independerá da comprovação de dolo ou culpa da empresa. Assim, se determinado funcionário, agindo inescrupulosamente, pratica algum ato reputado ofensivo à lei em referência, a empresa será penalizada, sendo dispensável a demonstração da intenção de seus dirigentes ou reconhecimento de falha em seu dever de vigilância. Nessa perspectiva, a nova lei igualmente traz impactos sobre os investidores (acionistas, cotistas), patrimonialmente expostos às sanções aplicáveis. Se isso de alguma forma já existe, agora existirá um tanto mais. Paulatinamente, parece lógico que as decisões de investimento passarão a contemplar, além da análise sobre o potencial econômico da empresa investida, o exame sobre sua capacidade de evitar e corrigir ações ilegais que possam repercutir no investimento.
Resumidamente, e este não deixa de ser um de seus valiosos objetivos, a nova lei incentiva as empresas a desenvolverem mecanismos de controles internos (políticas de compliance) destinados à prevenção e apuração de irregularidades, como elaboração de códigos de ética, treinamento de funcionários e fiscalização mais intensa de suas atividades. Essa rigidez no controle é premiada pela lei, que prevê a atenuação das penas caso a empresa se estruture de modo a colaborar com as autoridades na identificação dos agentes envolvidos e na obtenção de informações que comprovem a prática de atividades ilícitas. Valorações à parte, entramos na era da privatização da investigação.
* Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS. Advogado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário