Há uma alegria melancólica na celebração da honestidade de quem devolve um objeto perdido. Percebe-se nessas notícias de tom edificante tanto o merecido reconhecimento público ao pequeno herói, quanto a noção implícita de que gestos como esses são considerados excepcionais, quase esdrúxulos, em um país como o Brasil. Os meninos honestos, Lucas e o irmão Oseias, nos inspiram como indivíduos, mas o fato de que sejam notícia por fazer o que é certo nos envergonha como país.
Todos gostaríamos de viver em um lugar em que devolver uma carteira não fosse assunto, em que a desigualdade de oportunidades não fosse tão grande a ponto de acreditarmos que quem tem pouco sempre está atrás da oportunidade de tirar proveito da distração de quem tem mais. Somos um país desconfiado, provavelmente porque desconfiamos da nossa própria capacidade de escapar da sina maldita das grandes e pequenas corrupções cotidianas.
Não existe bondade natural. Por natureza, somos egoístas, ambiciosos, mesquinhos até. É a razão que nos torna seres morais, capazes de refletir sobre o que é certo e o que é errado e de agir levando em conta outros interesses que não apenas os nossos. E sereremos tão mais dedicados a essa reflexão permanente quanto mais isso for percebido como um valor comum – e não como a exceção que merece virar notícia.
Entender por que um menino pobre devolve o que não é seu pode ser simples, e é o próprio Lucas quem explica: “Eu fiz porque era o certo. Imaginei que a dona iria precisar do dinheiro para pagar as contas, ir aos médicos”.
O verdadeiro quebra-cabeça é entender como um juiz desvia toneladas de dinheiro de uma obra sem jamais levar em conta a vergonha pública que poderia recair sobre ele e a família se o roubo fosse descoberto – ou a constatação banal de que aquilo não era certo. Devíamos nos dedicar seriamente a entender por que aberrações morais desse tipo são tão frequentes e por que não nos sentimos coletivamente envergonhados por elas.
No início deste ano, fui convidada a conversar com os professores de uma escola municipal de um bairro pobre de Porto Alegre. Saí de lá impressionada com o carinho com que tratavam não apenas os alunos, mas o ambiente físico da escola em que trabalhavam. A Escola Municipal Ana Íris do Amaral tem lindas paredes cobertas de arte, uma pequena horta mantida por alunos e professores e aquela indefinível qualidade dos lugares onde as pessoas se sentem bem. Ana Íris do Amaral é a escola onde o menino Lucas Rosa estuda. E isso não explica tudo – mas diz muita coisa.
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