Taxista no Porto esquece a crise e só tem superlativos para expressar o orgulho e o amor por seu país
A cidade do
Porto, em Portugal, tem encantos mil. Não são assim as cidades que amamos?
(Foto: Divulgação / Câmara Municipal do Porto)
Moro em Lisboa. E por aqui ficarei até o fim do meu doutorado (que está longe do término...). Na semana passada conheci o Porto, a segunda cidade mais importante do país, ao norte. Caminhadas encantadoras pelo centro; inebriantes taças do vinho que leva o nome da cidade; vistas fantásticas do rio Douro. Porém, não é sobre isso que falarei aqui. Meu tema é o táxi que me levou do hotel à estação de trem - ou melhor, o taxista, e seu orgulho de ser português.
A corrida não levou mais que 20 minutos. Mas foram suficientes para eu saber que: o maior órgão de igreja da península Ibérica fica em Portugal; o lugar mais bonito do mundo é uma capela escavada na rocha na região de Braga, próxima ao Porto; o melhor compositor contemporâneo de música erudita, um dos maiores de todos os tempos, é um amigo do nosso condutor, sujeito desvalorizado em Portugal, por perseguições políticas; e que teria de voltar àquela parte do país e lá ficar alguns meses, porque eu não tinha visto quase nada...
Saí do carro com sorriso largo, achando, ao mesmo tempo, engraçada e ingênua a supervalorização do lugar praticada por aquele motorista de praça lusitano. Passados uns dias, costurei as falas do taxista à crise de Portugal e aos protestos que ocorrem no Brasil.
A partir dessa mistura, deixei de lado o aspecto caricato do discurso daquele português para admirar seu amor por sua terra, por seus amigos.
Não faz muito tempo, ouvi alguns comentários de adolescentes depreciando seu país, quando um grupo de turistas passou por eles: “Com tantos lugares para visitar, eles decidem vir logo a Portugal”.
Num cenário de crise econômica intensa, cortes em políticas sociais e desemprego elevado, não espanta a pouca estima daqueles jovens pelo país em que nasceram. Surpreende, isso sim, que o meu condutor não tenha entrado na corrente e tenha dito palavras e mais palavras para convencer esta brasileira que vos fala de que o norte de Portugal é o melhor ponto turístico do universo. Confesso: fiquei curiosa para visitar a tal igreja na pedra...
Alinhavo tudo isso aos incontornáveis protestos que se espalharam pelo Brasil nos últimos dias. Não repetirei as críticas ao vandalismo e ao despreparo da polícia nem falarei da falta de transparência dos governos ao não dizer de onde sairá o dinheiro para repor as perdas com o congelamento das tarifas do transporte público.
Mas a infinidade de faixas e bandeiras com verde e amarelo captada nas fotos das manifestações ou nas imagens de capa do Facebook me fez pensar no patriotismo do taxista português. Talvez ele nunca tenha ido às ruas reclamar contra as medidas austeras do governo, mas, naquele seu discurso de amor ao seu pedaço de chão, que estimulava o turismo e, por consequência, o investimento em sua região, ele fazia muito por seu país endividado.
É extremamente bonito ver multidões ocupando as ruas, cantando o hino nacional e carregando as cores da pátria. Será ainda mais bonito se, desse caldo de inconformismo, saírem movimentos organizados e bem articulados, lutando pelas vias do Estado democrático para mudanças no cenário social do país.
Ou que venham, como herança, escolhas mais conscientes nas eleições futuras. No entanto, também ficarei feliz se encontrar outros tantos brasileiros, como aquele motorista de táxi, que buscam suas próprias formas de valorizar e fazer crescer o chão ao qual pertencem. Gritar nas ruas é importante; falar baixo no cotidiano, nas atividades mais comuns, vale tanto ou mais que um grito de ordem.
* Juliana Doretto, jornalista, vive no momento em Portugal
Moro em Lisboa. E por aqui ficarei até o fim do meu doutorado (que está longe do término...). Na semana passada conheci o Porto, a segunda cidade mais importante do país, ao norte. Caminhadas encantadoras pelo centro; inebriantes taças do vinho que leva o nome da cidade; vistas fantásticas do rio Douro. Porém, não é sobre isso que falarei aqui. Meu tema é o táxi que me levou do hotel à estação de trem - ou melhor, o taxista, e seu orgulho de ser português.
A corrida não levou mais que 20 minutos. Mas foram suficientes para eu saber que: o maior órgão de igreja da península Ibérica fica em Portugal; o lugar mais bonito do mundo é uma capela escavada na rocha na região de Braga, próxima ao Porto; o melhor compositor contemporâneo de música erudita, um dos maiores de todos os tempos, é um amigo do nosso condutor, sujeito desvalorizado em Portugal, por perseguições políticas; e que teria de voltar àquela parte do país e lá ficar alguns meses, porque eu não tinha visto quase nada...
Saí do carro com sorriso largo, achando, ao mesmo tempo, engraçada e ingênua a supervalorização do lugar praticada por aquele motorista de praça lusitano. Passados uns dias, costurei as falas do taxista à crise de Portugal e aos protestos que ocorrem no Brasil.
A partir dessa mistura, deixei de lado o aspecto caricato do discurso daquele português para admirar seu amor por sua terra, por seus amigos.
Não faz muito tempo, ouvi alguns comentários de adolescentes depreciando seu país, quando um grupo de turistas passou por eles: “Com tantos lugares para visitar, eles decidem vir logo a Portugal”.
Num cenário de crise econômica intensa, cortes em políticas sociais e desemprego elevado, não espanta a pouca estima daqueles jovens pelo país em que nasceram. Surpreende, isso sim, que o meu condutor não tenha entrado na corrente e tenha dito palavras e mais palavras para convencer esta brasileira que vos fala de que o norte de Portugal é o melhor ponto turístico do universo. Confesso: fiquei curiosa para visitar a tal igreja na pedra...
Alinhavo tudo isso aos incontornáveis protestos que se espalharam pelo Brasil nos últimos dias. Não repetirei as críticas ao vandalismo e ao despreparo da polícia nem falarei da falta de transparência dos governos ao não dizer de onde sairá o dinheiro para repor as perdas com o congelamento das tarifas do transporte público.
Mas a infinidade de faixas e bandeiras com verde e amarelo captada nas fotos das manifestações ou nas imagens de capa do Facebook me fez pensar no patriotismo do taxista português. Talvez ele nunca tenha ido às ruas reclamar contra as medidas austeras do governo, mas, naquele seu discurso de amor ao seu pedaço de chão, que estimulava o turismo e, por consequência, o investimento em sua região, ele fazia muito por seu país endividado.
É extremamente bonito ver multidões ocupando as ruas, cantando o hino nacional e carregando as cores da pátria. Será ainda mais bonito se, desse caldo de inconformismo, saírem movimentos organizados e bem articulados, lutando pelas vias do Estado democrático para mudanças no cenário social do país.
Ou que venham, como herança, escolhas mais conscientes nas eleições futuras. No entanto, também ficarei feliz se encontrar outros tantos brasileiros, como aquele motorista de táxi, que buscam suas próprias formas de valorizar e fazer crescer o chão ao qual pertencem. Gritar nas ruas é importante; falar baixo no cotidiano, nas atividades mais comuns, vale tanto ou mais que um grito de ordem.
* Juliana Doretto, jornalista, vive no momento em Portugal
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