A bancada evangélica na Câmara força a sociedade civil a discutir questões importantes
Um
dos últimos vídeos da rapaziada do Porta
dos Fundos, grupo de comediantes que se tornou um fenômeno
de público na internet, mostra uma moça chegando ao céu e descobrindo, para seu
espanto, que o Deus verdadeiro não era o dos cristãos, muçulmanos ou judeus, mas
uma divindade de pouquíssimo ibope adorada apenas numa remota ilha da Polinésia.
Resignada a passar o resto dos seus dias no inferno por ter seguido a religião
errada, a moça faz apenas um pedido à divindade que a recebeu no além:
– Será que eu podia dar essa notícia para o Malafaia quando ele chegar por aqui?
Fazer piada com religião dos outros ou mesmo falar sobre o assunto de forma excessivamente ostensiva já foi tabu no Brasil. Não mais. Nos últimos anos, temos assistido a um inédito acirramento de ânimos religiosos, o que dá origem não apenas a piadas e provocações mútuas, mas a uma certa dificuldade de manter a conversa num tom respeitoso. Está ficando cada vez mais distante aquele tipo de arranjo social, tão à moda brasileira, em que católicos, evangélicos, espíritas, judeus e ateus esforçavam-se em acomodar seus credos e não credos em uma grande faixa intermediária distante dos extremos.
– Será que eu podia dar essa notícia para o Malafaia quando ele chegar por aqui?
Fazer piada com religião dos outros ou mesmo falar sobre o assunto de forma excessivamente ostensiva já foi tabu no Brasil. Não mais. Nos últimos anos, temos assistido a um inédito acirramento de ânimos religiosos, o que dá origem não apenas a piadas e provocações mútuas, mas a uma certa dificuldade de manter a conversa num tom respeitoso. Está ficando cada vez mais distante aquele tipo de arranjo social, tão à moda brasileira, em que católicos, evangélicos, espíritas, judeus e ateus esforçavam-se em acomodar seus credos e não credos em uma grande faixa intermediária distante dos extremos.
A presença de grupos religiosos articulados no
Congresso Nacional parece ter precipitado esse clima de confronto. A fé
instalou-se no centro de debates que envolvem não apenas convicções religiosas,
mas uma determinada visão de Estado. A chamada Frente Parlamentar Evangélica,
que reúne 68 deputados, tem se articulado para votar em bloco segundo suas
convicções. Para efeito de equilíbrio de forças, o ideal seria que membros de
diferentes partidos conseguissem colocar em pé uma espécie de "Frente Laica",
com o mesmo tipo de organização e disposição para o debate. Infelizmente, é
pouco provável que isso aconteça enquanto a sociedade civil não abraçar a ideia
do Estado laico com a mesma determinação e diligência demonstrada pelo lobby
religioso.
Manifestações recentes como a do Conselho
Federal de Psicologia, que deixou claro que a "cura gay" não é apenas uma
picaretagem, mas uma prática intolerável na profissão, e do Conselho Federal de
Medicina, que esta semana pediu a alteração do Código Penal para que as mulheres
tenham o direito de realizar o aborto até a 12ª semana de gestação, são
fundamentais para enriquecer o debate com posições divergentes.
De um jeito talvez um pouco torto, a ruidosa
bancada evangélica está obrigando o Brasil a sair da confortável, porém
preguiçosa, posição de acomodação diante de alguns assuntos mais polêmicos. Quem
está convencido de que a legislação sobre o aborto no país é arcaica ou que os
casais homossexuais deveriam ter os mesmos direitos que os outros já não pode se
dar ao luxo de ficar em silêncio. É preciso falar pública e enfaticamente sobre
isso – e votar em políticos que se comprometam com essas causas.
Se Deus é polinésio, universal ou não existe é
uma questão que cada um vai resolver intimamente da forma que puder. Quando
entra no debate político, porém, a religião deixa de ser assunto privado,
expondo-se àquele tipo de questionamento do qual se manteria resguardada se
ficasse restrita ao plano da orientação espiritual.
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Colunista da ZH
Fonte: ZH on line,
23/03/2013
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