Antonio Ozaí da Silva*
Recentemente li duas obras sobre a
amizade: Amizade & Filósofos[1]
e A amizade[2].
A primeira oferece trechos selecionados de obras escritas por filósofos, da
antiguidade clássica à modernidade, e ambiciona ser “uma história da amizade, ou
melhor dizendo, uma história das idéias mais importantes sobre a amizade durante
os últimos três mil anos”. Massimo Baldini, o organizador, expressa a esperança
de que o seu esforço “colabore para se compreender melhor o lugar que a amizade
terá na sociedade eletrônica, rica em fatores que favorecem o isolamento, mas
farta de muitos instrumentos tecnológicos que anulam a distância e facilitam o
encontro”.[3]
A segunda, escrita por Francesco Alberoni, é
uma reflexão sobre os diversos significados da amizade na história da
humanidade. Ele começa com uma questão fundamental: “Existe ainda a amizade no
mundo contemporâneo?”[4]
O que é a amizade? “A amizade é uma forma de amor”, afirma.[5]
Mas, no que esta forma de amar se distingue de outras? Como surge? É possível a
verdadeira amizade no mundo moderno dominado por relações utilitaristas,
altamente competitivo e propenso a fortalecer o individualismo e o isolamento? A
amizade é apenas interpessoal ou também pode ser comunitária? Pressupõe relação
entre iguais? Pode evoluir em circunstâncias de desigualdade hierárquica? O
professor pode ser amigo do seu aluno, e vice-versa? “O pai pode ser amigo do
filho e o filho do pai? Podem ser amigos dois irmãos? E dois cônjuges?”[6]
Quais são os inimigos da amizade? O que pode deteriorá-la ou impedir o seu
florescer?
Estas e outras questões orientam a análise de
Alberoni e instigam a reflexão do leitor a respeito da realidade contemporânea e
da nossa capacidade e/ou incapacidade de cultivar a amizade. Em tempos de redes
sociais como o Facebook, com centenas e milhares de “amigos” ao alcance de um
click, a amizade parece assumir formas voláteis. Podemos, na expressão
consagrada do sociólogo Zygmunt Bauman, nos referir à amizade líquida. A
propósito, em entrevista ao Fronteiras do Pensamento,
este eminente intelectual nos faz pensar sobre o auto-engodo das amizades
virtuais em detrimento dos laços reais que constituem as amizades autênticas.
Ele relata o caso de um viciado em Facebook que se vangloria de ter feito 500
amigos num dia. “Minha resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500
amigos. Eu não consegui isso. Então, provavelmente quando ele diz “amigo” e eu
digo “amigo”, não queremos dizer a mesma coisa. São coisas diferentes”, afirma o
simpático senhor.[7]
Claro, embora haja a possibilidade de uns e
outros confundirem as coisas. É preciso se iludir em demasia para tomar as
centenas de amigos virtuais como reais. Qualquer membro de redes sociais, por
mais viciado, pode ter a consciência desta distinção. As amizades virtuais podem
até representar um atenuante à inexistência de vínculos reais de amizades.
Contudo, ainda que o indivíduo se iluda, a incapacidade de constituir amizades
reais não tem relação direta, em geral, com a participação em redes sociais. Os
indivíduos entram no mundo virtual enquanto seres reais, com histórias de vida,
sentimentos e idiossincrasias próprias, ainda que tentem aparentar ser o que
não são. Por outro lado, na medida em que a tecnologia facilita a comunicação,
favorece os encontros e, assim, fortalece a amizade real existente – além de
potencialmente contribuir para o surgimento de novas amizades, ainda que
virtuais. Potenciais amizades virtuais podem se tornar amizades reais? Talvez
sim, provavelmente não. O mais importante, porém, é saber que amigos virtuais e
amigos reais são distintos. Se há esta percepção, não há porque temer as redes
sociais. Torna-se descabido imaginar que o mundo virtual substitui e enfraquece
as amizades reais ou a possibilidade de existirem. Como escreve Alberoni: “A
amizade existia na época de Confúcio e existe hoje. Não há nenhum motivo para
pensar que deva desaparecer no futuro. A amizade é apenas um modelo ideal que
pede para ser respeitado”.[8]
Se o ideal de amizade que temos em nossa mente
se esvaece e esta não se realiza, não busquemos culpados no mundo exterior, no
Facebook ou mesmo no amigo que se afasta de nós. Comecemos por nós mesmos. A
análise do outro deve ser complementada pela auto-análise despida de ilusões e
ressentimentos. O mais é idealização e verborragia. Da mesma forma que devemos
saber distinguir as amizades virtuais das amizades reais, é preciso também ter a
sabedoria de não tomar a realidade das relações pelas representações livrescas.
Uma coisa é filosofar sobre a amizade, outra bem diferente é viver a experiência
real da amizade. Ler é importante e até pode nos ajudar a compreender, mas o
fundamental é o viver, a experiência real. Esta é complexa e difícil, muito
difícil. Não cabe em modelos pré-idealizados!
[1]
BALDINI, Massimo. (Org.) Amizade & Filósofos. Bauru, SP: EDUSC,
2000.
[2]
ALBERONI, Francesco. A amizade. Rio de Janeiro: Rocco,
1992.
[3]
BALDINI, op. cit., p. IV.
[4]
ALBERONI, op. cit. p. 5.
[5]
Idem, p. 29.
[6]
Idem, p.148.
[7]
Assista a entrevista na íntegra em http://www.youtube.com/watch?v=POZcBNo-D4A
[8]
ALBERONI, op. cit., p. 153.
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Fonte:
http://antoniozai.wordpress.com/2013/03/09/facebook-amizades-virtuais-e-amizades-reais/
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