ENTREVISTA - SUKETU
MEHTA
PARA JORNALISTA E ESCRITOR INDIANO, OCUPAÇÕES IRREGULARES
DE SEU PAÍS TÊM MENOS ESTRUTURA, MAS, SEM A PRESENÇA DE ARMAS E DROGAS, SÃO MAIS
SEGURAS
Autor de "Bombaim, Cidade Máxima",
Suketu Mehta diz que o crescimento econômico da Índia transformou a cidade em
que viveu -hoje chamada Mumbai- num canteiro desordenado de obras e que os
aglomerados urbanos podem ter problemas pela falta ou pelo excesso de dinheiro.
"Há uma febre especulativa no setor imobiliário
e os preços dos imóveis quintuplicaram. O mercado viola toda e qualquer lei que
restringe sua ação. Tornou-se quase impossível caminhar", diz o escritor e
jornalista.
O caos urbano faz aumentar a violência e por
isso, diz ele, o desafio dos próximos anos é redistribuir a renda.
Segundo ele, as "favelas brasileiras são mais
agradáveis, limpas e mais bem construídas", mas mais violentas que as de seu
país. "Dada a ausência de drogas e armas, é normalmente seguro andar nas favelas
indianas."
Mehta esteve no Rio na semana passada para o
seminário "Arquitetura, cidade, metrópole: democratizar cidades sustentáveis",
no Instituto dos Arquitetos do Brasil.
Folha - Em seu livro, o sr. diz que entre os
rótulos de moribunda e assassina atribuídos a Mumbai, considera o de moribunda
inadequado. Por quê?Suketu Mehta - Há muita miséria, a corrupção
está impregnada em todos os níveis, o transporte público é péssimo, mas um
milhão de pessoas migram todos os anos para Mumbai. Elas enfrentam problemas
urbanos sérios, mas ainda assim são atraídas pela cidade.
Há uma grande energia e as melhores oportunidades disponíveis na Índia. Qualquer um pode encontrar emprego, ninguém morre de fome e é possível enviar dinheiro para os familiares que ficaram nas vilas [áreas mais rurais].
Há uma grande energia e as melhores oportunidades disponíveis na Índia. Qualquer um pode encontrar emprego, ninguém morre de fome e é possível enviar dinheiro para os familiares que ficaram nas vilas [áreas mais rurais].
"As cidades indianas estão sendo
destruídas
pelos automóveis e, em vez de
investir
no transporte público, o Estado
insiste no privado."
O sr. viveu muitos anos no exterior. Que
transformações em Mumbai achou mais gritantes?Há agora uma febre
especulativa no setor imobiliário e os preços dos imóveis quintuplicaram. O
mercado viola toda e qualquer lei que restringe sua ação. Os capitais globais
chegaram.
Uma cidade pode ter problemas tanto pela falta como pelo excesso de dinheiro.
Mumbai agora padece dos problemas associados ao excesso: há especulação por toda parte, muitos canteiros de obras, e tornou-se quase impossível caminhar.
As calçadas se tornaram lugares disputadíssimos e muitos são forçados a andar nas pistas, entre centenas de carros. As cidades indianas estão sendo destruídas pelos automóveis e, em vez de investir no transporte público, o Estado insiste no privado.
Mumbai é um pesadelo, mas as pessoas não param de chegar, tanto as pobres como as ricas. Eu me pergunto: como uma cidade tão desagradável atrai tanta gente?
Uma cidade pode ter problemas tanto pela falta como pelo excesso de dinheiro.
Mumbai agora padece dos problemas associados ao excesso: há especulação por toda parte, muitos canteiros de obras, e tornou-se quase impossível caminhar.
As calçadas se tornaram lugares disputadíssimos e muitos são forçados a andar nas pistas, entre centenas de carros. As cidades indianas estão sendo destruídas pelos automóveis e, em vez de investir no transporte público, o Estado insiste no privado.
Mumbai é um pesadelo, mas as pessoas não param de chegar, tanto as pobres como as ricas. Eu me pergunto: como uma cidade tão desagradável atrai tanta gente?
No Brasil, projetos de urbanização das
favelas são descontínuos, mas existem. Como isso se dá na Índia, onde divisões
religiosas e de casta parecem legitimar desigualdades sociais e
espaciais?Em Mumbai, existe uma lei que estabelece que, se 70% das
pessoas de uma favela concordarem, ela pode ser demolida, independentemente da
vontade dos demais 30%.
O governo então cria moradias, mas com frequência essas pessoas são transferidas para lugares distantes ou realocadas para uma parte menor do espaço originalmente ocupado pela favela.
O senso de comunidade é perdido e a violência sobe. Além disso, as novas habitações são de péssima qualidade, construídas com material barato. O terreno desocupado é então liberado para o mercado e a especulação.
Algo que pode parecer inusitado para quem não conhece Mumbai é saber que 60% das pessoas na cidade vivem em favelas e muitas delas pertencem à classe média. São médicos, engenheiros etc.
As favelas brasileiras são mais agradáveis, limpas e mais bem construídas. É assustador constatar que mesmo aquelas que estão sob controle dos traficantes são mais bem equipadas e atendidas do que as que estão sob controle do Estado na Índia.
O governo então cria moradias, mas com frequência essas pessoas são transferidas para lugares distantes ou realocadas para uma parte menor do espaço originalmente ocupado pela favela.
O senso de comunidade é perdido e a violência sobe. Além disso, as novas habitações são de péssima qualidade, construídas com material barato. O terreno desocupado é então liberado para o mercado e a especulação.
Algo que pode parecer inusitado para quem não conhece Mumbai é saber que 60% das pessoas na cidade vivem em favelas e muitas delas pertencem à classe média. São médicos, engenheiros etc.
As favelas brasileiras são mais agradáveis, limpas e mais bem construídas. É assustador constatar que mesmo aquelas que estão sob controle dos traficantes são mais bem equipadas e atendidas do que as que estão sob controle do Estado na Índia.
"Para se ter uma ideia, em Nova
York
o 1% mais rico ganha mais em um dia
do que os 44% mais pobres ganham em
um ano inteiro de trabalho.
Manhattan se tornou um
playground para os ricos globais
e os pobres foram expulsos."
Nas favelas brasileiras, a violência é
associada à presença de armas e ao tráfico de drogas. Como é a violência nas
favelas indianas?Estive no Brasil quatro vezes. Nas visitas, passei uma
semana indo a favelas como a Rocinha e o Complexo do Alemão. Noto que a grande
diferença diz respeito justamente à presença de drogas e armas.
Na Índia, a violência é de caráter político e religioso, entre castas, entre muçulmanos e hindus, entre nativos e imigrantes. Mas, dada a ausência de drogas e armas, é normalmente seguro andar nas favelas indianas.
As favelas da Índia que, nesse aspecto, se assemelham às brasileiras ficam no interior do país e hoje são controladas pelos Maoistas, ou Naxalitas, que não permitem a entrada do Estado.
Na Índia, a violência é de caráter político e religioso, entre castas, entre muçulmanos e hindus, entre nativos e imigrantes. Mas, dada a ausência de drogas e armas, é normalmente seguro andar nas favelas indianas.
As favelas da Índia que, nesse aspecto, se assemelham às brasileiras ficam no interior do país e hoje são controladas pelos Maoistas, ou Naxalitas, que não permitem a entrada do Estado.
O sr. pode fazer uma comparação entre as
áreas mais degradadas do Rio, Mumbai e Nova York, onde o sr. vive?Nesse
momento estou escrevendo um livro sobre Nova York. A cidade teve melhorias
dramáticas nas últimas décadas. No entanto, trata-se de uma das cidades mais
desiguais na América do Norte.
Para se ter uma ideia, em Nova York o 1% mais rico ganha mais em um dia do que os 44% mais pobres ganham em um ano inteiro de trabalho. Manhattan se tornou um playground para os ricos globais e os pobres foram expulsos. Os negros, por exemplo, estão migrando para lugares como Atlanta.
Para se ter uma ideia, em Nova York o 1% mais rico ganha mais em um dia do que os 44% mais pobres ganham em um ano inteiro de trabalho. Manhattan se tornou um playground para os ricos globais e os pobres foram expulsos. Os negros, por exemplo, estão migrando para lugares como Atlanta.
Na Índia as divisões religiosas e entre
castas explicam a maior parte da discriminação social e espacial. Quais são as
clivagens sociais mais importantes no Brasil e nos EUA?Nos EUA, é a
desigualdade de renda. No Brasil, o que mais chama atenção são as desigualdades
raciais.
As favelas são predominantemente negras, as posições de prestígio na sociedade brasileira não são ocupadas por eles, que estão em sua maioria ausentes nas universidades, na mídia e nas empresas.
As favelas são predominantemente negras, as posições de prestígio na sociedade brasileira não são ocupadas por eles, que estão em sua maioria ausentes nas universidades, na mídia e nas empresas.
"Uma religião que prega o
conformismo
não está mais segurando a
insatisfação
diante das desigualdades. "
O sr. crê que os elevados índices de
crescimento econômico estão contribuindo para elevar a qualidade de vida de
todos os indianos ou beneficiam apenas a elite?Por muitas décadas as
taxas de crescimento da Índia foram muito baixas. De repente, atingem quase 10%
ao ano.
Se você observar a história da Índia desde a independência verá que ela foi marcada por uma imensa transferência de poder. A democracia trouxe o sufrágio para todos e, diferentemente de países como os EUA, na Índia os pobres votam e os ricos não.
Há muitos políticos de castas baixas. Apesar de 82% da população ser hindu, o primeiro-ministro é sikh [religião monoteísta], a presidenta é uma mulher, o líder da coalizão do governo é um católico italiano.
Ocorre que essa divisão do poder contrasta com o fato de que a riqueza não está sendo repartida. Por isso, o desafio dos próximos anos é redistribuir a renda, e isso é uma questão até mesmo de sobrevivência para os ricos.
Nesse momento, as pessoas ainda podem migrar para cidades como Mumbai e encontrar outras opções que não a violência.
A visão da prosperidade dos ricos e a ocidentalização, porém, estão gerando inquietação social entre os pobres.
Uma religião que prega o conformismo não está mais segurando a insatisfação diante das desigualdades.
Se você observar a história da Índia desde a independência verá que ela foi marcada por uma imensa transferência de poder. A democracia trouxe o sufrágio para todos e, diferentemente de países como os EUA, na Índia os pobres votam e os ricos não.
Há muitos políticos de castas baixas. Apesar de 82% da população ser hindu, o primeiro-ministro é sikh [religião monoteísta], a presidenta é uma mulher, o líder da coalizão do governo é um católico italiano.
Ocorre que essa divisão do poder contrasta com o fato de que a riqueza não está sendo repartida. Por isso, o desafio dos próximos anos é redistribuir a renda, e isso é uma questão até mesmo de sobrevivência para os ricos.
Nesse momento, as pessoas ainda podem migrar para cidades como Mumbai e encontrar outras opções que não a violência.
A visão da prosperidade dos ricos e a ocidentalização, porém, estão gerando inquietação social entre os pobres.
Uma religião que prega o conformismo não está mais segurando a insatisfação diante das desigualdades.
No seu livro, o sr. menciona que aprendeu a
ver além das ruínas da cidade física e enxergar a força vital incandescente dos
seus residentes. Quais conselhos daria a alguém que deseja conhecer a força
vital das cidades?O fenômeno mais importante em curso hoje no mundo é a
migração das áreas rurais, das vilas, para as cidades. Isso em lugares como a
África, América, Ásia...
Na Índia, a maioria das pessoas ainda vive em vilas, mais isso está prestes a mudar. E há algo nas cidades que ultrapassa em muito a questão apenas econômica: as pessoas encontram liberdade para casar com quem quiser, assistir a um filme, fazer escolhas.
Há pouca liberdade individual nas vilas, e a vitalidade das cidades está justamente nessa conquista da liberdade.
VIDA
Jornalista e escritor, nasceu em Calcutá, na Índia, em 1963, mas fixou-se em Bombaim (atual Mumbai). Mudou-se com a família para Nova York e retornou a Mumbai 21 anos depois
OBRA
"Bombaim, Cidade Máxima", sobre o cotidiano de uma das cidades mais populosas do mundo
Na Índia, a maioria das pessoas ainda vive em vilas, mais isso está prestes a mudar. E há algo nas cidades que ultrapassa em muito a questão apenas econômica: as pessoas encontram liberdade para casar com quem quiser, assistir a um filme, fazer escolhas.
Há pouca liberdade individual nas vilas, e a vitalidade das cidades está justamente nessa conquista da liberdade.
Raio X - Suketu
Mehta
Jornalista e escritor, nasceu em Calcutá, na Índia, em 1963, mas fixou-se em Bombaim (atual Mumbai). Mudou-se com a família para Nova York e retornou a Mumbai 21 anos depois
OBRA
"Bombaim, Cidade Máxima", sobre o cotidiano de uma das cidades mais populosas do mundo
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Reportagem por ROGÉRIO
DAFLONCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO
RIO
Fonte: Folha on line, 09/03/2013
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