Leonardo
Boff*
Cardeais da Igreja Católica vieram de
todas as partes do mundo, cada qual carregando as angústicas e as esperanças de
seus povos, alguns martirizados pela Aids e outros atormentados pela fome e pela
guerra. Mas todos mostravam certo constrangimento e até vergonha pois vieram à
luz os escândalos, alguns até criminosos, ocorridos em muitas dioceses do mundo,
com os padres pedófilos; outros implicados na lavagem de dinheiro de mafiosos e
super-ricos italianos que para escapar dos duros ajustes financeiros do governo
italiano, usavam o bom nome do Banco Vaticano para enviar milhões de Euros para
a Alemanha e para os USA. E havia ainda escândalos sexuais no interior da Cúria
bem como intrigas internas e disputas de poder.
Face à gravidade da situação, o Papa reinante
sentiu que lhe faltavam forças para enfrentar tão pesada crise e constatando o
colapso de sua própria teologia e o fracasso do modelo de Igreja, distanciado
do Vaticano II, que, sem sucesso, tentou implementar na cristandade, acabou
honestamente renunciando. Não era covardia de um pastor que abandona o rebanho
mas a coragem de deixar o lugar para alguém mais apropriado para sanar o corpo
ferido da Igreja-instituição.
Finalmente chegaram todos os Cardeais, alguns
retardatários, à sede de São Pedro para elegerem um novo Papa. Fizeram várias
reuniões prévias para ver como enfrentariam este fato inusitado da renúncia de
um Papa e o que fariam com o volumoso relatório do estado degenerado da
administração central da Igreja. Mas em fim decidiram que não podiam esperar
mais e que em poucos dias deveriam realizar o Conclave.
Juntos rezaram e discutiram o estado da Terra e
da Igreja, especialmente a crise moral e financeira que a todos preocupava e até
escandalizava. Consideraram, à luz do Espírito de Deus, qual deles seria o mais
apto para cumprir a dificil missão de “confirmar os irmãos e as irmãs na fé”,
mandato que o Senhor conferira a Pedro e a seus sucessores e recuperar a
moralidade perdida da instituição eclesiástica.
Enquanto lá estavam, fechados e isolados do mundo, eis que apareceu um senhor que pelo modo de vestir e pela cor de sua pele parecia ser um semita. Veio à porta da Capela Sistina e disse a um dos Cardeais retardatários: ”posso entrar com o Senhor, pois todos os Cardeais são meus representantes e preciso urgentemente falar com eles”.
O Cardeal, pensando tratar-se de um louco, fez
um gesto de irritação e disse-lhe benevolamente: “resolva seu problema com a
guarda suiça”. E bateu a porta. Então, este estranho senhor, calmamente se
dirigiu ao guarda suiço e lhe disse:”posso entrar para falar com os Cardeais,
meus representantes”?
O guarda o olhou de cima para baixo e não
acreditando no que ouvira, pediu, perplexo, que repetisse o que dissera. E ele o
fez. O guarda com certo desdém lhe disse: “aqui entram somente cardeais e
ninguém mais”.
Mas esta figura enigmática insistiu: “eu até
falei com um dos Cardeais e todos eles são meus representantes, por isso, me
permito de estar com eles”.
O guarda, com razão, pensou estar diante de um
paranóico destes que se apresentam como Cesar ou Napoleão. Chamou o chefe da
guarda que tudo ouvira. Este o agarrou pelos ombros e lhe disse com voz
alterada: ”Aqui não é um hospital psiquiátrico. Só um louco imagina que os
Cardeais são seus representantes”.
Mandou que o entregassem ao chefe de polícia
de Roma. Lá, no prédio central, repetiu o mesmo pedido: “preciso falar
urgentemente com meus representantes, os Cardeais”. O chefe de polícia nem se
deu ao trabalho de ouvir direito. Com um simples gesto determinou que fosse
retirado. Dois fortes policiais o jogaram numa cela escura.
De lá de dentro continuava a gritar. Como
ninguém o fizesse calar, deram-lhe murros na boca e muitos socos. Mas ele,
sangrando, continuava a gritar:”preciso falar com meus representantes, os
Cardeais”. Até que irrompeu cela adentro um soldado enorme que começou a
golpeá-lo sem parar até que caisse desmaiado. Depois amarrou-lhe os braços com
um pano e o dependurou em dois suportes que havia na parede. Parecia um
crucificado. E não se ouviu mais gritar:”preciso falar com meus representantes,
os Cardeais”.
Ocorre que este misterioso personagem não era
cardeal, nem patriarca, nem metropolita, nem arcebispo, nem bispo, nem padre,
nem batizado, nem cristão, nem católico. Era um simples homem, um judeu da
Galiléia. Tinha uma mensagem que poderia salvar a Igreja e toda a humanidade.
Mas ninguém quis ouvi-lo. Seu nome é Jeshua.
Qualquer semelhança com Jesus de Nazaré, de
quem os Cardeais se dizem representantes, não é mera coincidência mas a pura
verdade.
“Veio para os seus, e os seus não o receberam”
observou mais tarde e tristemente um seu evangelista.
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Teólogo. Escritor.
Fonte:
http://leonardoboff.wordpress.com/2013/03/11/jesus-barrado-no-conclave-dos-cardeais/
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