Como um apanhado de juras de amor equivocadamente atribuído
ao poeta se transformou numa espécie de mantra em casórios
moderninhos
"Promete que fará sexo sem pudores, que
fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você..."
Esse trecho do texto "Promessas Matrimoniais" vem causando burburinho e suspiros
em casamentos.
É claro que nada disso acontece sob a tutela da
igreja. Tratado como um poema, "Promessas" tornou-se uma espécie de mantra
moderninho em oposição aos clássicos sermões dos padres.
Caiu nas graças daquela turma que não é chegada
às celebrações tradicionais, geralmente casais jovens, de perfil, digamos,
"descolado".
Nesses eventos, assim como em redes sociais,
sites e blogs sobre casamentos, "Promessas Matrimoniais" costuma ser atribuído
ao poeta Mario Quintana (1906-1994), mas não é dele.
Foi criado em maio de 1998 pela escritora e
colunista gaúcha Martha Medeiros, 52. O texto faz parte do livro de crônicas
"Montanha-Russa".
O casamento de Juliana Paes com o empresário
Carlos Eduardo Baptista, no Rio, em setembro de 2008, ajudou a "bombar"
"Promessas Matrimoniais" na web. Só que a autoria estava equivocada.
Erro dos sites de celebridades, de quem
realizou o casamento ou dos pombinhos?
Pastor queridinho dos famosos, Luiz Longuini,
que celebrou a união da atriz, conta que sempre soube que o texto "era do Mario
Quintana". Ele diz que Juliana Paes não sabia quem era o autor. "Depois do
casamento descobri, pelo sucesso na mídia, que é da Martha Medeiros."
Hoje, Juliana Paes jura que sempre soube que o
texto era de Martha. "Gosto desse texto faz muitos anos. Muito antes de pensar
em me casar."
Para a fotógrafa carioca Fabricia Soares, 36, o
poema é "lindo". "Há uma grande discussão na internet sobre a autoria. Uns dizem
que é do Quintana, outros dizem que é da Martha Medeiros", diz.
Durante a cerimônia de sua união com o
fotógrafo Alexandre Marques, 42, a juíza bolou um texto que emocionou a todos,
um "pot-pourri" de trechos que falavam dos noivos, suas manias e amores, e, de
quebra, enxertava partes de "Promessas".
O ambiente era a tradicional confeitaria
Colombo, no centro do Rio, em uma área reservada para um almoço com 12
convidados, entre amigos e parentes.
Fabricia não conhecia o texto, tampouco o
autor.
A juíza de paz Lilah Wildhagen, 56, não incluiu
no discurso a parte que trata de sexo. "Evito porque o Conselho de Ética pode
vir em cima da gente", justifica. "Apesar de o sexo ser inerente ao casamento,
não é mesmo?"
Às vésperas de celebrar 2.000 casamentos, Lilah
conta que sempre usa trechos do texto nas cerimônias. "É uma forma de
personalizar."
A juíza pinça partes do texto com base em
respostas de um questionário com 32 perguntas aplicado aos noivos antes da
cerimônia.
A autoria? Ela ignora. "É de um autor
desconhecido. Na internet, dizem que é de Mario Quintana. Não é. Nem dele, nem
da Martha Medeiros, nem de Carlos Drummond de Andrade. Apesar de a Martha ser
genial", diz ela.
EFEITO COLATERAL
Segundo a professora Lucia Rebello, do
Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em toda a obra
de Quintana "não existe nada sobre casamento, promessas matrimoniais e sermões".
"Mesmo o estilo do texto não tem nada a ver com a poesia de Quintana."
Martha, a verdadeira autora, lembra que talvez
a ideia de escrever a crônica tenha surgido quando ela foi a um casamento de uma
amiga.
Antes de entrar com os tópicos iniciados com a
palavra "promete", ela faz uma introdução na qual explica que "achava bonito o
ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos",
mas que o sermão do padre lhe desagradava.
"Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na
saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?
[sic]' Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de
sermões."
Segundo a escritora, há uma série de textos
creditados a ela incorretamente e textos seus atribuídos a outras pessoas. "É
uma chatice com a qual a gente tem que aprender a conviver", diz.
Martha considera "impressionante" o volume de
créditos errados veiculados na internet. Cita nomes como Carlos Drummond de
Andrade, Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector, que também costumam ser
"vítimas" desse "troca-troca autoral".
"Confesso que não gosto, mas não dá para fazer
disso uma cruzada. É um efeito colateral da internet", diz ela.
A escritora avisa que não gostaria de parecer
"antipática", mas que preferiria ser lida só em seus livros e nos jornais. "Além
de autoria trocada, colocam enxertos, dão outros finais às histórias, criam
finais melosos."
Promessas
Matrimoniais
MARTHA
MEDEIROS
Promete não deixar a paixão fazer de você uma
pessoa controladora, e sim
respeitar a individualidade do seu amado,
lembrando sempre que ele não
pertence a você e que está ao seu lado por
livre e espontânea vontade?
Promete saber ser amiga e ser amante, sabendo
exatamente quando
devem entrar em cena uma e outra, sem que isso
a transforme numa
pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos
romântica?
Promete fazer da passagem dos anos uma via de
amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não
chegaram a se concretizar?
Promete sentir prazer de estar com a pessoa que
você escolheu e ser feliz
ao lado dela pelo simples fato de ela ser a
pessoa que melhor conhece você
e portanto a mais bem preparada para lhe
ajudar, assim como você a ela?
Promete se deixar conhecer?
Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil,
carinhosa e educada,
que não usará a rotina como desculpa para sua
falta de humor?
Promete que fará sexo sem pudores, que fará
filhos por amor e por
vontade, e não porque é o que esperam de você,
e que os educará para
serem independentes e bem informados sobre a
realidade que os aguarda?
Promete que não falará mal da pessoa com quem
casou só para
arrancar risadas dos outros?
Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a
mesma importância que
sempre teve na sua vida, que você saberá
responsabilizar-se por si mesmo
sem ficar escravizado pelo outro e que saberá
lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?
Promete que será tão você mesmo quanto era
minutos
antes de entrar na igreja?
Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e
mulher: declaro-os maduros.
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Reportagem por ROBERTO
DE OLIVEIRADE SÃO PAULO
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano
03/03/2013
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