"A Igreja não precisa só de correção, precisa de inspiração"
Entrevista: P. Tolentino
Mendonça
Primavera chegou à
Igreja com a «inspiração» e o «exemplo» do papa Francisco
A «inspiração» e o «exemplo» do
papa Francisco, a par de uma «experiência espiritual forte» e «profética», podem
contribuir para que a Igreja Católica se reinvente, considera o padre José
Tolentino Mendonça.
Em entrevista publicada este
domingo no jornal "Público", o diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da
Cultura diz que viveu a primeira semana do pontificado «com uma alegria muito
grande e com a sensação que a primavera chegou antes do dia 21».
«Em cada dia havia pequenos sinais,
como quando chega a primavera. Uma árvore que começa a florir, uma planta que
começa a florescer. É uma política de sinais que constitui um entusiasmo grande
e de que a Igreja precisava», salienta.
Depois de salientar que o «estilo
nunca é apenas a forma», mas «a tradução de um carisma e de uma vivência mais
funda», o vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa que os «pequenos
detalhes de protocolo ou de vestuário» do papa têm « uma densidade muito maior
do que noutras gramáticas».
«É sempre através do carisma que há
uma espécie de inspiração, de contaminação e depois a organização propriamente
dita acaba por ir por arrasto. Estes sinais são muito importantes, por serem não
da ordem do institucional mas do simbólico», frisa.
A importância da inspiração e do
exemplo é retomada pelo biblista quando se refere ao nome do papa, referenciado
ao santo de Assis, que no século XIII introduziu «uma radicalidade na proposta
cristã».
«É impossível não ler a escolha do
nome Francisco como a escolha de um programa, de um projeto. É disso que estamos
à espera», acentua.
A reforma de «uma realidade tão
complexa e tão vasta como a Igreja» não será executada «por decreto» mas «pela
emergência de um novo modelo, de uma nova gramática, de um novo
paradigma».
«Penso que é aí, na criação de um
novo exemplo, que ele [Francisco] vai investir tudo», salienta o padre Tolentino
Mendonça, para quem o papa «não é um polícia moral».
«Ele tem de ser um inspirador que
cria uma grande exigência que tem de vir pela positiva e não simplesmente por
uma moralização pela moralização. A Igreja precisa de horizontes, de ser
mobilizada para uma palavra que a levante de um certo marasmo», aponta.
O responsável pela Pastoral da
Cultura observa que o catolicismo se confronta com a necessidade de «cinco
mudanças», a começar por superar o défice de «comunicação» para os não crentes
e, também, para os fiéis.
«A Igreja Católica precisa de um
projeto de comunicação, que não é da ordem do marketing, mas uma capacidade de
tornar legível e percetível o que ela é e de apostar muito mais numa comunicação
direta. Mesmo o cristão médio, com formação, tem dificuldade em ler uma
encíclica do Papa. Há um défice de autocompreensão no interior da Igreja»,
sustenta.
Procurar um «modelo de cooperação
mais comunional entre Roma e as dioceses», dando mais destaque ao papel das
conferências episcopais, é outro dos desafios apontados pelo responsável.
«O terceiro desafio parece-me ser o
da relação da Igreja com o mundo, perguntar ao mundo o que espera da Igreja e
colocar-se numa posição de diálogo de proximidade com o mundo, procurando
compreender», aponta o padre Tolentino Mendonça, que recorda o projeto do Átrio
dos Gentios, plataforma da Igreja para o diálogo com os não-crentes.
O diálogo com as «culturas juvenis
emergentes» e a «esperança» constituem as restantes prioridades: «A grande
missão da Igreja é devolver ao oceano gelado do nosso coração uma palavra de
esperança e ser capaz de ser serva da esperança».
O sacerdote advoga uma maior
presença das mulheres na Cúria, ainda que sem equacionar a ordenação: «A questão
está fechada, mas a Igreja é fiel ao Espírito e ao que este lhe vai dizendo e
vive num processo de renovação permanente», diz.
Referindo-se ao papel que a Igreja
em Portugal tem desempenhado, o diretor da Pastoral da Cultura lembra o «suporte
aos mais pobres» através de «uma rede de auxílio, de proximidade, de
assistência».
«Sem esta rede a situação seria
muito mais catastrófica. Esta rede tem sido vital para a paz social. Há gente a
cair na rua mas o número é menor porque existe esta rede», vinca.
A Igreja, acrescenta, «é chamada
também a um papel mais ativo na exigência que se chegue a um novo modelo de
economia, a uma prática».
Questionado se já começou a
escrever um poema para o novo papa, à semelhança do que fez para Bento XVI, o
padre Tolentino Mendonça responde: «O papa Francisco é que começou a escrever um
poema para nós e esse eu já comecei a ouvir».
------------------
Reportagem por Rui Jorge Martins de Portugal
Nenhum comentário:
Postar um comentário