segunda-feira, 11 de março de 2013

" Paineiras " por Luiz Antonio de Assis Brasil




Mais uma vez, elas estão floridas e, a cada ano, provocam uma crônica e um outono. São mais metafísicas do que reais. Elas inventam a nova estação de março, assim como a luz ilumina a clareira de um bosque. É uma luz cambiante, que percorre todos os matizes que vão desde o tom vivo da carne ao rosa-pálido dos poentes de Porto Alegre. O formato de suas flores lembra as orquídeas que às vezes se prendem às paineiras, como se houvesse uma transmissão de essências.

Os acúleos ferozes servem para proteger os ramos, que são taças a celebrarem o tempo que trará alívio às tardes de fogo. Um tempo em que sentimos não a morte da natureza, mas, ao contrário, a vivaz mutação das sombras que a cada dia se tornam mais longas, projetando nossa figura para além das calçadas, dos jardins e das praças. Até os cães descobrem-se maiores.

Todas as paineiras, por direito de beleza e simbolismo, deveriam crescer livres no pampa, respirando os ventos do Sul. Mas a generosidade é tanta que insistem em permanecer entre nós da cidade, ainda que sejam dispostas em corredores ao longo das ruas, a exercerem uma função coletiva e ornamental.



Cada paineira, entretanto, é única. Se observadas de perto, suas harmoniosas assimetrias constituem um desenho irretocável, límpido, perfeito, inconfundível. Por vezes, os ramos surgem em meio ao tronco; noutras, nos cimos inalcançáveis. Em alguns casos, eles se cruzam, criando novas formas orgânicas.

As paineiras mereceriam figurar em nossas representações simbólicas não apenas como um soberbo espécime vegetal, mas como metáfora em ação, lembrando-nos de que o outono existe. E se o outono existe para nós, aqui do Sul, é porque de certeza o merecemos. Algo de bom fizemos, para sermos abençoados com essa estação que, uma vez por ano, restitui nosso centro espiritual e emocional.

Porque o outono é mais do que uma estação, é mais do que um descender da temperatura. É o outono que assegura nossa sensibilidade e nos abre as portas para a percepção do que existe de belo e justo sobre a terra.

E o que provoca tudo isso? Olhe para cima, ao caminhar pela cidade.

Não perca tempo.

Elas duram pouco.

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