Mar sempre fascinante |
CARLOS GERBASE
Tem certas coisas na vida que valem a pena, apesar de serem potencialmente perigosas. É o que sempre pensei antes de me atirar no público durante os shows dos Replicantes. Às vezes, quando a plateia estava especialmente compacta, dava umas voltas pelo salão, deitado, erguido por dezenas de braços desconhecidos. Não pensem que esse é um ato de insensatez, ou que é tão excepcional assim. Faz parte da tradição do punk rock, que criou até um pequeno glossário para identificar as possibilidades de expressão corporal do público e dos músicos.
O pogo – que dizem ter sido inventado por Sid Vicious nos primeiros shows dos Sex Pistols – é a dança que parece uma briga, cheia de encontrões, cotoveladas e eventuais botinadas. Tudo com boa educação, pra evitar que os empurrões dessa roda punk virem briga de verdade. É muito divertido. Recomendo. Atirar-se no público, dando um salto a partir do palco, chama-se stage diving. Aqui no Brasil, muita gente chama de mosh, mas parece que é um erro de tradução. Li recentemente que mosh é o nosso pogo. Antes de mergulhar, é bom ter certeza de que aquelas mãos erguidas vão mesmo te segurar. Recomendo. Com supervisão médica e o telefone do Samu no bolso.
Mas o movimento mais interessante é o “crowd surfing”. Surfar na multidão é estabelecer um pacto existencial com os espectadores: naquele momento não há mais distância entre o músico e a plateia. Somos todos um mesmo corpo, agradecendo aos deuses do rock’n’roll a oportunidade de fazer uma poderosa catarse coletiva, que não tem equivalente no mundo da música e da arte em geral. Também recomendo, sem contraindicações. Não exige prática nem habilidade. Só um pouquinho de coragem.
No show dos 30 anos dos Replicantes, que aconteceu no dia 9 de dezembro, pude reviver, depois de 10 anos, toda essa venerável tradição do punk rock. Claro que, aos 54, não se faz as coisas como se fazia aos 24. Mas e daí? Melhor dois minutos de surf na multidão que dois anos vendo clipes no YouTube. Mas aquela noite especial tinha que apresentar alguma atração inédita. E ela veio durante a execução de Surfista Calhorda. De repente, olhei para a plateia e, erguido por dezenas de mãos, lá estava um cadeirante passeando pelo bar Opinião. Sorridente, provavelmente mais bêbado que os bêbados que sustentavam sua cadeira, ele erguia os braços, gritava e cantava. Depois de alguns segundos, mergulhou outra vez no oceano e não foi mais visto.
Não sei seu nome, nem de onde veio, nem se o ato foi planejado por seus amigos, ou se foi resultado de uma iluminação súbita. Mas nunca vou esquecer a imagem do surfista cadeirante. Agora posso ficar mais uma dezena de anos me preparando para um show dos Replicantes. A banda terá 40, eu terei 64, e, independentemente da idade que ele tiver, quero ver o surfista cadeirante fazer suas manobras radicais outra vez. E Porto Alegre continuará a ensinar ao mundo uma ou duas coisas sobre o sempre jovem espírito do rock’n’roll.
Tem certas coisas na vida que valem a pena, apesar de serem potencialmente perigosas. É o que sempre pensei antes de me atirar no público durante os shows dos Replicantes. Às vezes, quando a plateia estava especialmente compacta, dava umas voltas pelo salão, deitado, erguido por dezenas de braços desconhecidos. Não pensem que esse é um ato de insensatez, ou que é tão excepcional assim. Faz parte da tradição do punk rock, que criou até um pequeno glossário para identificar as possibilidades de expressão corporal do público e dos músicos.
O pogo – que dizem ter sido inventado por Sid Vicious nos primeiros shows dos Sex Pistols – é a dança que parece uma briga, cheia de encontrões, cotoveladas e eventuais botinadas. Tudo com boa educação, pra evitar que os empurrões dessa roda punk virem briga de verdade. É muito divertido. Recomendo. Atirar-se no público, dando um salto a partir do palco, chama-se stage diving. Aqui no Brasil, muita gente chama de mosh, mas parece que é um erro de tradução. Li recentemente que mosh é o nosso pogo. Antes de mergulhar, é bom ter certeza de que aquelas mãos erguidas vão mesmo te segurar. Recomendo. Com supervisão médica e o telefone do Samu no bolso.
Mas o movimento mais interessante é o “crowd surfing”. Surfar na multidão é estabelecer um pacto existencial com os espectadores: naquele momento não há mais distância entre o músico e a plateia. Somos todos um mesmo corpo, agradecendo aos deuses do rock’n’roll a oportunidade de fazer uma poderosa catarse coletiva, que não tem equivalente no mundo da música e da arte em geral. Também recomendo, sem contraindicações. Não exige prática nem habilidade. Só um pouquinho de coragem.
No show dos 30 anos dos Replicantes, que aconteceu no dia 9 de dezembro, pude reviver, depois de 10 anos, toda essa venerável tradição do punk rock. Claro que, aos 54, não se faz as coisas como se fazia aos 24. Mas e daí? Melhor dois minutos de surf na multidão que dois anos vendo clipes no YouTube. Mas aquela noite especial tinha que apresentar alguma atração inédita. E ela veio durante a execução de Surfista Calhorda. De repente, olhei para a plateia e, erguido por dezenas de mãos, lá estava um cadeirante passeando pelo bar Opinião. Sorridente, provavelmente mais bêbado que os bêbados que sustentavam sua cadeira, ele erguia os braços, gritava e cantava. Depois de alguns segundos, mergulhou outra vez no oceano e não foi mais visto.
Não sei seu nome, nem de onde veio, nem se o ato foi planejado por seus amigos, ou se foi resultado de uma iluminação súbita. Mas nunca vou esquecer a imagem do surfista cadeirante. Agora posso ficar mais uma dezena de anos me preparando para um show dos Replicantes. A banda terá 40, eu terei 64, e, independentemente da idade que ele tiver, quero ver o surfista cadeirante fazer suas manobras radicais outra vez. E Porto Alegre continuará a ensinar ao mundo uma ou duas coisas sobre o sempre jovem espírito do rock’n’roll.
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