Henrique Raposo*
Sou amigo de padres, discuto teologia e história com uns, jogo à bola com outros. É por isso que conheço de perto o seu desgosto pelos pecados pedófilos de alguns membros do clero. E, já agora, também sinto o seu espanto em relação à popularidade do seguinte raciocínio: a pedofilia nasce do celibato, ui, ui, então não é óbvio? Como não têm cama, vingam-se nos putos; então não se vê logo o que é? Como não têm sexo, aquilo é o escape deles. Até o meu querido Arnaldo Jabor entrou nesta idiotice, usando para o efeito o arquétipo do mal-amado (desculpem o eufemismo): sufocado pelo prazer reprimido, martirizado pela presença decotada das mães dos alunos, o padre desforra-se nos lábios e demais carnes dos benjamins. Está na cara, não está? Não, não está. Por que razão um homem habituado à cama da mulher e da amante abusa da filha ou da sobrinha ou do sobrinho? Por que razão um padrasto, casado e devorador de ancas milficadas, abusa da enteada ou enteado? Por que razão o tio, primo ou amigo dos pais abusa das crianças num solitário domingo à tarde? Não, o celibato não é a causa da pedofilia. A pedofilia é uma perversão que não depende da ausência ou presença do cinto de castidade.
Se o padre é desumanizado desta forma pelas esquerdas, o gay sofre o mesmo tratamento à direita.
As pessoas que se queixam da forma caricatural como os média retratam padres e cristãos são as mesmas pessoas que promovem uma visão caricatural e agressiva do gay.
Se o padre é retratado como um Amaro perpétuo, o gay é desenhado como uma bichona irresponsável e, por isso, incapaz de ter uma família. Além de ser irresponsável, esta bichona é vista como uma entidade perversa, sexualmente perversa. A homossexualidade surge assim como uma perversão semelhante à pedofilia. Aliás, gay e pedófilo são sinónimos nesta visão das coisas. Ora, é esta equivalência moral que explica a recusa militante da coadopção ou adopção de crianças por homossexuais: em muitas cabeças, um gay a entrar num lar de crianças para adopção só pode ser uma imagem sexual, a raposa a entrar no galinheiro. Estas cabeças estão erradas. Tal como o celibato dos padres, a homossexualidade não é uma perversão sexual e não provoca pedofilia.
Esquerdas e direitas precisam de fazer uma coisa: parar de falar de uma Tolerância abstracta e exercer tolerância concreta (e cristã) em relação àquilo que desconhecem. Deixem o gay abstracto, o panisgas, a bichona ou até a irritante activista LGBT, e falem com pessoas que por acaso são homossexuais. Quando fizerem isso, talvez percebam o seguinte: tenho amigos gays que seriam melhores pais do que eu. Deixem o ideal-tipo queirosiano que têm nessa cabeça preguiçosa, falem com padres concretos e percebam que o celibato não é a causa da perversão de alguns padres.
E, no final dessas conversas, talvez tenham a felicidade de descobrir outra coisa: um padre é um dos melhores amigos que um gajo pode ter.
---------------------------
* É licenciado em História, mestre em Ciência Política. Cronista do jornal português Expresso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário