Sabe uma coisa que nunca sai de moda? Estátua. A arte deu mil e uma voltas, inventaram-se as praças, as bibliotecas, os museus, o Instagram – e, por algum motivo, a humanidade continuou cultuando grandes homens e seus grandes feitos, reais ou imaginários, como fazia nos tempos do Antigo Egito, ou antes.
Não importa se o país é rico ou pobre, laico ou religioso, democrático ou não. Estátuas continuam chegando às praças, aos prédios públicos, às esquinas. Esta semana, enquanto os sul-africanos descobriam um coelhinho de bronze escondido dentro da orelha de uma estátua de Nelson Mandela, Porto Alegre era apresentada à nova escultura de Leonel Brizola, instalada entre o Piratini e a Catedral. Os dois monumentos, guardadas as devidas proporções de personagens e estátuas (a de Mandela tem nove metros de altura), expressam o que há por trás da necessidade universal de congelar em bronze figuras históricas:
a homenagem dos contemporâneos, o registro histórico para o futuro e, não menos importante, a celebração da identidade local. Mandela tornou-se um personagem mundial, mas é um símbolo da África do Sul. Brizola faz parte da história do país e da resistência à ditadura militar (a estátua porto-alegrense segura uma bandeira do Brasil), mas encarna algumas das características mais facilmente associadas à identidade gaúcha – para o bem e para o mal.
Diante de um monumento, tudo pode acontecer: da epifania à indiferença, do vandalismo ao culto – passando pelo abraço dos passantes e a pose para os flashes. É possível que a “fotografabilidade” dos monumentos tenha dado um novo impulso às homenagens em três dimensões. As esculturas desceram dos pedestais para ficar ao alcance dos olhos e das lentes.
Já não se aceita o herói sobre o cavalo, no alto de uma coluna onde apenas os pombos desfrutam de sua aura magnífica. Estátuas como a de Drummond, estrategicamente de costas para o mar de Copacabana, de modo que o turista possa fotografar o poeta e a paisagem ao mesmo tempo, ou a de Quintana num banco da Praça da Alfândega, convidam ao retrato, à conversa imaginária e – por que não? – também ao abraço fraterno.
Nem sempre dá muito certo, é verdade. A Brigitte Bardot de Búzios e a Elis da Usina são exemplos de estátuas que desceram do pedestal, mas falharam na tentativa de captar o carisma das personagens originais. Isso prova que mesmo figuras de bronze, criadas sem o objetivo principal de serem admiradas como objetos artísticos, não encontram sentido nem conexão com o espectador se não existir, na origem, o toque de mestre capaz de emprestar a um bloco de pedra ou metal a aura da obra de arte.
Aquele tipo de transcendência, forjada tanto pela
técnica quanto pela sensibilidade, que confere novo significado à matéria bruta
e torna a história um patrimônio público, coletivo e admirável. O resto é
poluição visual.
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