sábado, 25 de janeiro de 2014

" Nossos Medos "

 PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO                                       

Na antiguidade, a doença era interpretada de muitas maneiras e se podia adoecer por vários caminhos: castigo por uma transgressão moral, feitiço encomendado por algum inimigo, invasão corporal por algum objeto misterioso e mágico, possessão por um espírito maligno, ou perda da alma por ação do demônio.

A ampla variedade de trilhas da doença explicava a diversidade de terapeutas e justificava a participação do mago, do xamã, do curandeiro e do pajé. Aproveitando a brecha do desespero de quem adoece, como era de se esperar, se incorporou o charlatão, que terreno mais propício não poderia haver.

O espetacular avanço do conhecimento médico identificou os inimigos pontuais, as bactérias, os vírus, os fungos, os protozoários, entendeu o dano que eles poderiam causar às células, e descobriu como enfrentá-los e destruí-los com os antibióticos. Com a biologia celular, avançou-se no entendimento do mecanismo de crescimento e disseminação dos tumores. Quando se aprendeu que o metabolismo das células tumorais podia ser alterado por drogas, muitos cânceres passaram a ser curados com quimioterapia.

A conquista da medicina molecular e a descoberta do genoma e seus desdobramentos permitirão, no futuro próximo, a tão sonhada longevidade qualificada. Com todos estes mistérios desvendados, ainda restará uma perplexidade: mas por que adoecemos?
 Antes que alguém retome uma teoria religiosa com a busca de culpas e penas, minha invocação particular: e as crianças precisavam adoecer?
Fiquei um tempão explicando ao Adriano, um garotinho de 10 anos, que teríamos um caminho pela frente para derrotarmos aquele tumor que lhe provocava dor no peito. Contei que o tratamento teria duas etapas: a quimioterapia, para que o tumor diminuísse, e depois a cirurgia para eliminá-lo.

Havia tanto medo naquele olhar que quase não resisti a pegá-lo no colo, mas isso não combinaria com a pose de homenzinho, de braços cruzados, sacudindo a cabeça depois de cada informação nova. Terminada a sessão de notícias, abri o questionário:

– Alguma coisa que queiras perguntar, meu garoto?

– Eu vou morrer?

– Claro que não!

– Mas o meu tio disse que aquele cantor, o Leandro, tinha esse tipo de tumor, que você tratou dele, e ele morreu!

(Socorro! Claro que não comentei que ter um tumor já era desgraça suficiente e que ele não merecia um tio desses!). Expliquei que a situação era diferente, que os adultos respondem mal à quimioterapia nesse tipo de tumor, e que nós iríamos conseguir. O lábio tremia quando ele confessou:

– Tô com uma vontade de chorar!

– E por que não choras?

– Meu pai disse que chorar é coisa de mulher.

– Mas, que bobagem! Eu choro quase toda a semana.

– E nunca te chamaram de mulherzinha?

– Não. Ninguém se arriscaria!

E então, nos abraçamos. Mais do que motivação, agora ele tinha companhia.
 
                                             

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