quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

" Mazelas Privadas "

                                         ARTIGOS - Leandro Fontoura*


Talvez o dado mais interessante na denúncia de cartel que cerca o governo de São Paulo não seja o pagamento de propina a funcionários públicos e a políticos. Mesmo para um país acostumado a escândalos de corrupção, temos um componente novo nesse que ora teima em sangrar o governador Geraldo Alckmin e seus antecessores também tucanos.

O Brasil está habituado a esquemas mais modestos, para não dizer mambembes. Ou não tivemos um presidente da Câmara que exigiu uns pilas de um empresário para assegurar a permanência de seu restaurante nas dependências do parlamento?

Também tivemos um Maurício Marinho vendendo-se bem relacionado no PTB para arrancar R$ 3 mil de um empresário. O caso desembocou no mensalão petista – esse sim um escândalo digno de nota por inovar na engenharia financeira envolvendo empréstimos bancários. O Ministério Público Federal calcula que pelo menos R$ 141 milhões passaram pelo esquema. Para manter a equidade, é bom lembrar que, para o mesmo MPF, o mensalão do PSDB foi a primeira experiência, um projeto-piloto em Minas Gerais, dessa logística.

Antes dos mensalões, tivemos os anões do orçamento, descobertos depois que um funcionário do Congresso decidiu abrir a boca e entregar um conluio de deputados com empreiteiras. Esse era um rolo graúdo. Quando envolve construtoras, a negociata é profissional.

Mas a denúncia de fraudes no sistema de transporte metroferroviário de São Paulo é muito mais refinada do que temos visto por aí. Trata-se de um esquema que superou obstáculos geográficos e linguísticos, pois envolve multinacionais de diversos países, como a alemã Siemens e a francesa Alstom. Mais de R$ 500 milhões, assim dizem as estimativas, teriam sido desviados por meio de acordos entre as companhias para burlar concorrências públicas.

É por isso que a propina supostamente paga a funcionários públicos e a políticos tucanos não é a novidade do caso. Alguém logo vai dizer que foi apenas caixa 2, a justificava padrão para atenuar os deslizes de um sistema eleitoral defeituoso. O que a denúncia paulista traz à tona são as mazelas da iniciativa privada, as quais dificilmente chegam ao nosso conhecimento.

Por conta das inúmeras disfunções da administração pública – entre elas o patrimonialismo, a burocracia lenta e a ineficiência –, o brasileiro tende a achar que corrupção é um problema apenas do Estado. E as deficiências do mundo corporativo – como práticas predatórias, monopólios, fraudes contábeis e condições de trabalho desumanas – passam ao largo do escrutínio público.

Hoje, entra em vigor uma norma que promete combater os desvios na esfera privada. A Lei Anticorrupção prevê pesadas multas e até mesmo o encerramento das atividades para companhias flagradas em delito contra a administração pública. Não bastará mais a essas empresas afastar dirigentes sob suspeita e lançar nota lamentando as falhas dos mesmos: terão de arcar com os custos das irregularidades. É também o primeiro passo para que o brasileiro passe a enxergar o corruptor e não apenas o corrupto.

*JORNALISTA

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