sexta-feira, 7 de setembro de 2012

" Um Bom mate "

 



<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER
                                                             Juremir Machado da Silva*

O ritual do mate, que os urbanos atuais chamam de chimarrão, me fascina. Eu me vejo velhinho, com uma cuia na mão, olhando a tarde cair ou o dia nascer. Desde criança admiro esse nosso hábito altamente enraizado. Meu pai acordava de madrugada para tomar mate sozinho. Dava gosto vê-lo ensimesmado sorvendo goles que pareciam lhe rejuvenescer. Ele ficava com um ar de pensador. Só mais tarde, quando vi a célebre escultura de Rodin, é que compreendi o que eu sentia quando via alguém tomar seu mate meio curvado. Meu avô ainda tinha galpão com fogo de chão. Era ali que cevava o seu mate. Gosto de pensar em mim e na Cláudia, numa chácara em Palomas, no Bom Fim ou em Paris, fazendo a cuia passar entre nossas mãos enquanto lembramos dos nossos melhores e piores momentos. Quanta coisa se pode contar enquanto a cuia vai e volta!

Há algo de mágico nessa rotina: chegar em casa, preparar o mate e, depois, botar as ideias em ordem apreciando cada parte do ritual. Eu sempre me deslumbro quando vejo alguém ficar alguns segundos, que me parecem horas, meses, anos, com a cuia aninhada entre as mãos. Tenho a impressão de que um filme passa na cabeça da pessoa, que sua vida lhe vem inteira, passo a passo. Tomar mate é para mim uma atitude filosófica. Há uma estética, uma beleza, uma teatralidade no ato de tomar chimarrão. Não chego a me encantar ao ver o pessoal com suas cuias e garrafas térmicas pelas ruas. Gosto mesmo é daquela espécie de meditação feita junto a uma janela ou à sombra de uma árvore, especialmente um cinamomo. Não tem cinamomo em Porto Alegre? Sinto falta daquelas tardes na Florentina em que minha avó passava pêssego até a hora do mate. Meu avô levantava da sesta e se aproximava para uma rodada até baixar mais o sol, quando as lides eram retomadas. Havia muita sabedoria naquilo tudo. Estilo.

Uma pessoa sentada tomando mate fica com ar incrivelmente inteligente. Adoro ficar olhando para a Cláudia enquanto ela toma o seu mate. Penso em tudo o que já fizemos juntos. Imagino o que ainda faremos. Fico, às vezes, enternecido. É isso: ver gente tomando chimarrão numa roda com muita conversa ou mesmo em silêncio me comove. Por que será? É um imaginário que se revela, uma atmosfera que dá a ver, uma aura que se impõe, um mundo que resiste ao tempo e aos novos costumes. Eu não me importaria de madrugar para tomar mate. Não sei dirigir carros. Nem pretendo aprender. Gostaria mesmo era de ter um cavalo. Quanto mais velho fico, mais tenho vontade de retomar certas vivências da infância. Sou um nostálgico.

Gostaria de terminar minhas tardes numa roda de amigos tomando mate e comentando os acontecimentos do dia. Por que não o faço? Por uma razão bem simples, mas incontornável, algo que já tentei resolver de todas as maneiras sem sucesso: não gosto de chimarrão. Detesto o gosto. Tento aprender. Invisto. Procuro domar o meu paladar. Digo-me que é só uma questão de hábito. Nada. Estou fadado a admirar um ritual que não posso praticar. Jamais direi, como meu avô e meu pai, como a música:

- Prenda minha, me ceva um mate, vamos conversar.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo

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