terça-feira, 4 de setembro de 2012

" Era Meu Esse Rosto " - Marcia Tiburi

                     E, era meu esse rosto,

                               Márcia Tiburi
 
 
 
 
Em seu último ensaio publicado, Olho de Vidro (2011), a filósofa e escritora Marcia Tiburi refletia sobre a onipresença da imagem na cultura contemporânea. Em seu novo romance, que a autora lança hoje, no Theatro São Pedro, é a ausência de uma imagem que norteia a busca do protagonista por si mesmo.

Era Meu Esse Rosto é o quarto romance de Marcia Tiburi, publicado após a conclusão de sua Trilogia Íntima: Magnólia (2005), A Mulher de Costas (2006) e O Manto (2009). Em comparação com os demais, o novo romance preserva a prosa limítrofe com a poesia, um narrar mais de sensações do que de situações. Há, contudo, um elemento diverso: é a primeira vez que a literatura de Marcia lida com um narrador masculino. Um recurso que, a própria autora admite, foi adotado para antepor um certo distanciamento do material mais pessoal e autobiográfico deste romance.

– Criei um homem que eu ficcionalizei neste livro. Talvez eu tenha feito isso para poder me distanciar da minha própria história. A gente sempre se inspira na realidade, porque a literatura é verossimilhança, tem a ver com o que poderia ter acontecido, e isso é o que vai sustentar o que chamamos de literatura. Há uma referência a um possível, e às vezes este “possível” é muito mais próximo do acontecimento vivido – diz a autora, em entrevista por telefone.

Era Meu Esse Rosto divide-se em duas linhas narrativas: a descrição, poética e exacerbada, das memórias de infância do narrador/protagonista em uma cidade do interior (nomeada apenas como V., como a Vacaria natal de Marcia), entremeadas com o relato de uma viagem do mesmo protagonista, já adulto, até a cidade da Itália de onde veio sua família (também batizada apenas de V.). O personagem cumpre essa jornada de V. a V. para tentar encontrar na Itália, a pedido de uma parente, um retrato de seu avô, já morto e sepultado sob uma lápide sem foto. Essa busca por uma imagem fugidia é narrada em blocos de texto entre parênteses (transformando o presente do personagem em uma interrupção da infância na qual residem suas sensações e memórias mais vívidas). A jornada é também uma chave para o estilo elusivo e denso do romance.

– O personagem busca uma imagem que não está disponível, então a objetividade também não está disponível. O que sobra para ele? A tangência, a busca, um caminho que vai se construindo no próprio processo – comenta Marcia.

A busca pela imagem física, fotográfica não é o centro da narrativa, e sim as evocações de uma infância em companhia das irmãs e dos “nonnos”: a avó, mais pragmática, o avô, uma figura marcante, contador de histórias e, aos olhos do neto, artífice de maravilhas.

– O que é a memória senão impressão? Essa memória de infância mais ainda, porque está misturada com uma sensação da infância que, para quem vive depois de adulto, é só uma sensação perdida. Uma sensação carregada de pureza, de uma ausência de mediação. Agora, o que vivemos é mediado por nossa história, currículo, formação, cultura, família, exigências sociais. Mas, para a criança, tudo é descoberta, tudo se imprime com mais força. E nunca mais será tão forte.
---------------------------------------carlos.moreira@zerohora.com.br

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