quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Amor de Pai, Juremir Machado da Silva

                                                 

<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER


Diogo Mainardi está de volta. "A Queda, as Memórias de Um Pai em 424 Passos" (Record), livro em que conta como seu filho Tito foi vítima de um erro médico grosseiro ao nascer, num hospital de Veneza, tem um grave defeito: é muito bem escrito. Vai provocar muita inveja entre os péssimos escritores brasileiros que se autopremiam a cada ano. Diogo retorna como sempre foi: sem vitimismo nem autocondescendência. Fala abertamente. Não faz literatura. Salva-se da literatice. Consegue o inimaginável: ir de John Ruskin a Marcel Proust sem afetação. Diogo é um fenômeno a ser estudado. Na era do mais idiota dos livros, "50 Tons de Cinza", ele emplaca escrevendo bem e esbanjando erudição: está em primeiro lugar na lista de mais vendidos de livros de não ficção.

A franqueza de Diogo o leva a declarar até o valor da indenização que o hospital italiano foi obrigado a pagar pela barbeiragem cometida: 3.162.761 euros. A médica que cometeu o erro, tentando apressar o parto, tinha pressa. Era sábado. Ela queria cair fora logo. Conclui-se que o erro médico por estupidez ou incompetência é uma das coisas mais bem distribuídas do mundo. Pode acontecer em qualquer lugar. O segundo filho de Diogo, Nico, nasceu no Rio de Janeiro. Numa boa. O livro de Diogo é uma declaração de amor ao filho, a comovente narrativa de um pai capaz de tudo para acudir seu rebento. Leva-o para se consultar com especialistas norte-americanos. Os doutores fazem diagnósticos e prognósticos definitivos. Erram feio. Não perdem a pose.

Nunca perguntei a Diogo a razão de ele ter parado de escrever a sua coluna semanal na Veja. Sem ele, a revista perdeu o sentido até no consultório do dentista. Não distrai nem faz rir. O problema do Diogo é o excesso de lucidez. Sabe que é um escritor cômico. Sabe que o jornalismo brasileiro é cômico. Sabe que a cultura brasileira é cômica. Atreve-se a ser cômico até quando fala da paralisia cerebral do seu filho. Diogo foi o colunista que Arnaldo Jabor adoraria ser. As minhas ideias estão cada vez mais distantes das de Diogo. Sou um perfeito idiota latino-americano tardio. O meu apreço por Diogo não para de aumentar. Admiro quem sabe desistir.

Diogo largou os romances. Eram ótimos. Não poderiam dar certo. O seu melhor registro, porém, é o da verdade. Só um homem lúcido pode escrever assim: "Quando Tito deu trezentos e cinquenta e nove passos, em 11 de janeiro de 2008, eu ganhava dinheiro na Veja, escrevendo uma coluna por semana. Eu ganhava dinheiro também na Veja Online, fazendo um comentário por semana, e no Manhattan Connection, participando de um programa de TV por semana. Eu me tornei o Rimbaud da paralisia cerebral. O jornalismo foi minha Etiópia". Rimbaud, um dos maiores poetas de todos os tempos, teve, segundo Diogo, a honradez de repudiar a literatura, preferindo traficar armas e escravos na África. Pena que nossos escritores não pensem em seguir Rimbaud. Fariam melhor traficando drogas na Baixada Fluminense. Ou, como isso não é politicamente correto, criando alguma ONG em defesa do fim da escrita. Prometo que vou parar. Palomas será a minha Etiópia. Diogo não aprende mesmo. Só escreve bem.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo.
juremir@correiodopovo.com.br

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