Durante anos o compositor John Cage
sondou a possibilidade de uma obra sem sons, mas impedia-o duas coisas: a dúvida
se essa tarefa assim não estaria, desde logo, votada ao fracasso, porque tudo é
som; e a convicção de que uma composição tal seria incompreensível no espaço
mental da cultura do Ocidente.
Foi contudo sendo encorajado pelas
experiências que se realizavam nas artes visuais, em particular a série de
pinturas de Rauschenberg, de quem era amigo, algumas todas em preto, outras em
branco. Assim, em Agosto de 1952, estreia a sua peça 4’33’’; num concerto
onde também se interpretaram obras de Christian Wolff, Morton Feldman, Pierre
Boulez.
A proposta de John Cage era
completamente insólita: o músico deviam subir ao palco, saudar o público,
sentar-se ao instrumento e permanecer, em silêncio, por quatro minutos e trinta
e três segundos, até que, de novo, se levantasse, agradecesse à plateia e
saísse. Na assistência instalou-se a polémica e choveram as vaias. Mas ao longo
de toda a sua vida, John Cage referiu-se a essa peça com sentida reverência: «a
minha peça mais importante é essa silenciosa; não passa um só dia que não me
sirva dela para tudo o que faço».
«A palavra é o órgão do
mundo presente.
O silêncio é o mistério
do mundo
que está a
chegar».
- Isaac de Nínive, lá pelos finais do século VII
-
Susan Sontag num ensaio que
intitulou “A estética do silêncio” pega, entre outros, neste exemplo de Cage
para pensar no significado desta espécie de “fuga para o silêncio” que a arte e
o pensamento contemporâneos têm sublinhado. Dá que pensar a frase com que abre o
seu ensaio. Diz ela: «Cada época deve reinventar para si mesma o projecto de uma
espiritualidade».
Quando medito no contributo que a
cultura possa dar, num futuro próximo, à existência humana, pressinto que mais
até do que a palavra será a partilha desse património imenso que é o silêncio.
Mesmo que construamos a palavra como uma torre, temos de aceitar que ela não só
não toca cabalmente o mistério dos céus, como muitas vezes nos incapacita para a
comunicação e a compreensão terrenas. Precisamos do auxílio de outra ciência, a
do silêncio. Já Isaac de Nínive, lá pelos finais do século VII, explicava: «A
palavra é o órgão do mundo presente. O silêncio é o mistério do mundo que está a
chegar».
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* Teólogo. Escritor
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